ELES NUNCA TIVERAM UMA PISCINA

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Estou na casa da Gregório. Eu e a minha irmã vamos participar de um evento na escola que é meio que um American Idol. O grande problema é arrumar um vestido bem bonito para usar. Sei que as outras garotas vão usar vestidos de noite, longos. Eu não tenho nenhum vestido assim. Minha mãe traz uns vestidos para mim , mas são todos feios e pouco sexys. Fico irritada com ela porque sinto como se ela estivesse fazendo de propósito. E estou me sentindo muito culpada por que deixei tudo para a última hora. Por que não cuidei disso antes? Podia ter resolvido tudo com mais calma. Agora nem ensaiei nenhuma música e não tenho vestido.

Resolvo me controlar e usar o tempo que tenho. Vou dar uma olhada de novo nos vestidos que minha mãe separou, enquanto isso, tento decidir que música vou cantar. Procuro um vestido bege que apesar de ser bege, cor que eu detesto, tinha um corte melhorzinho. Mas ele sumiu. Vou falar com minha mãe mas ela está falando com a minha irmã e não me dá atenção. 

Aí me dá um impulso de quebrar completamente as expectativas em relação ao vestido. Primeiro penso em ir de jeans e camiseta. Mas é muito radical. Aí me ocorre ir com aquele vestido preto da Guess que eu nunca usei por que é sexy demais. E curto, o que já me disseram que é pouco apropriado para mim.

Me entusiasmo com a idéia. Vai ficar bem diferente do que as outras estão usando, mas talvez até seja melhor. E é um vestido chique. Vou pegar o vestido e descubro que as alças estão descosturadas. É mesmo, eu ia levar para a costureira e não levei. Ai, meu deus, mais desorganização. Mas recupero o sangue frio. São só dois pontinhos. Vou pegar linha e agulha.

Nesse momento decido que vou cantar Nothing compares to you, que é a música em que estou mais firme. Queria pegar a letra na internet mas não há tempo. De novo me ocorre, se tivesse feito as coisas com antecedência...

Mas me controlo e procuro escrever a letra a mão, agora que estou lembrando.

A apresentação será à noite, em frente à uma piscina. Vamos ver a piscina. É grande e bonita. Muita gente está na água e me dá vontade também. Mas minha mãe não deixa porque está muito frio. Antes da apresentação, haverá um teste com os jurados. Eles vão decidir quem vai cantar ou não.

No momento seguinte estamos no teste, que é feito em uma salinha, com os jurados Simon e uns outros que lembravam o Randy e a Paula. 

Não estou nervosa. Os jurados é que estão meio que discutindo entre si, parecem brigar. Está uma balburdia. Ninguém está prestando muita atenção em mim. Procuro cantar o melhor que posso e acho que canto bem. Senti o chakra do coração se abrir. Fico satisfeita. Imagino que tenha sido suficiente para passar para a primeira eliminatória e cantar na frente da piscina.. 

Vou sentar em uma escada lá fora com outras pessoas, esperando o resultado.

O Simon vem falar comigo. Ele fala que eu cantei muito mal, não deu nem prá saída. Aquilo não é cantar, ele diz. Você canta sem emoção nenhuma, sem colorido nenhum, ele diz. Ele está bem alterado, dizendo isso. Não gostou mesmo. Fico passada. Era a última coisa que eu esperava. Me ocorre que ele possa ter exagerado, mas sei que o Simon é justo nas suas opiniões. Fico pensando naquilo que ele disse, sem emoção. E eu achei que cantei com emoção, com colorido. O que terá faltado?. Aí me ocorre que eu fico criticando alguns cantores porque acho que às vezes cantam emocionalizado demais, será que é isso que me falta? Fico pensando nisso. Não consigo acreditar que fui eliminada e não vou cantar na frente da piscina. Fico olhando a piscina atravéz do vidro da janela.

No momento seguinte, uma mulher em uma sala de aula está apresentando uns slides sobre um casal de velhinhos que tinha tido uma vida particularmente rica de amor. Eles se amavam muito e tinham sido muito felizes. A mulher estava explicando como tinha sido feito o roteiro do documentário sobre a vida deles. Chegou em um slide que mostrava uma piscina. Só no fim da vida é que o casal tinha conseguido construir uma piscina no quintal. Aí a mulher que estava apresentando falou: foi então que nós tivemos a idéia de construir o mote do roteiro em cima disso, e chamar o documentário de “Eles nunca tiveram uma piscina”.

Achei brilhante. Piscina é meio um ícone do materialismo principalmente para os americanos, e a abordagem do documentário sugeria justamente que apesar de nunca ter tido piscina, o casal teve uma felicidade que poucos experimentaram. 

Mas imediatamente, ao olhar para a piscina no slide, comecei a pensar como deveria ser bom ter uma piscina só sua, em que vc pudesse entrar sempre que desse vontade, que gostoso deve ser.

Me arrependo de não ter entrado na piscina naquela hora só porque minha mãe disse que estava frio. Devia ter entrado mesmo assim. Talvez, me ocorre, talvez tivesse cantado melhor.

(13 de agosto de 2004}

IMAGE CREDITS GREG LOTUS | GQ STYLE RUSSIA SPRING/SUMMER 2015

ELES NUNCA TIVERAM UMA PISCINA

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