Estou numa espécie de barraquinha, nem chega a ser quiosque, com um toldinho, tipo de carrocinha de cachorro quente, ou uma mini barraca de feira, sentada num banco, de frente para uma mesa que tem meu computador no qual trabalho. Ao relento. Estou com um pijama meio roupa de moleton. O computador é um super computador que tem, do lado direito, umas cinco telas um pouco menores numa coluna vertical, uma fila de telas.
É dia e está luminoso e alegre, não tem ar deprê ou opressivo, mesmo eu estando ali tecnicamente moradora de rua.
Passo o dia todo nesse computador trabalhando freneticamente, não no desespero, mas no foco máximo.
De vez em quando as cinco telas do meu computador dão umas falhadas e depois retomam. Mas sigo trabalhando com a mesma concentração e empenho com que trabalharia num escritório. Aliás estou exatamente como se estivesse num trabalho das 9 à 5 num escritório, só que homeless e por conta própria.
Então chega no que seria o período da tarde.
Há ali na calçada uma mulher que canta uma música. Ou está com algo que toca uma música. Eu acho a música linda e interrompo minhas atividades para perguntar para ela que música seria. Ela não sabe e eu então faço como faço normalmente para saber as músicas que gosto, pego uma das frases da letra, no caso ali fica algo que não se define se eu pego uma das frases que ela canta ou a música vem de um rádio e eu gostaria de lembrar a letra, pois sinto que isso tem uma mensagem. Mas não lembro. Só sei que pego um dos trechos da letra que consigo identificar e digo a ela, péra, vou ver.
E logo vou digitar ali no google. Nesse momento as telas dão mais uma dessas falhadas e isso me preocupa mas logo retomam. Então eu digito o trecho da letra e esse assunto simplesmente some. O assunto da música. E até das telas.
E então assim. Chegou o fim da tarde, aliás, são precisamente 19h.
Ainda está claro, mas crepuscular. Vejo todo mundo indo embora para outro lugar e sinto nesse momento uma solidão e um sentimento de ser deixada para trás e isso me atinge um pouco mas penso comigo que é mais ilusório do que real.
Então, tendo encerrado meu expediente, me sento nesse banco alto que até acho ser o mesmo em que vinha trabalhando, não uma cadeira, mas um banco alto desses de prancheta, fora da mesa de trabalho, de frente para a rua e ali, me sentindo em parte oprimida pela solidão e meio abandono da cena, eu como uma fatia de um bolo delicioso num prato.
É uma cena muito contundente essa de eu sentada ali sozinha, me sentindo deixada para trás, sem casa, mas comendo um bolo verdadeiramente delicioso, desses tipo floresta negra. Mas não sinto pena de mim mesma. Apenas penso com toda a lucidez:
– Então, o que quero fazer?
E me dou um tempo para sentir a resposta. E quando eu mesma me respondo, a resposta me surpreende:
– O que eu quero é aprender a receita desse bolo.
{16 de julho de 2022}
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