O ANALISTA QUE NÃO ESTAVA LÁ

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Estava esperando para ser atendida por um novo analista, um homem, sem saber direito como isso aconteceu, sem lembrar quando tinha marcado a consulta, mas achando bom. Penso: – Vai ser bom falar com um homem, quem sabe ele, por ser homem, consiga me ajudar.

Estou cansada, desarrumada e triste e espero. Chega minha vez, entro na sala. O analista está sentado numa poltrona, eu me sento em frente e a primeira coisa que penso é: –Nossa, como ele é pequeno! Parece uma criança!

Aí me dou conta que ele é uma criança mesmo, um menino de uns dez anos. Não gosto daquilo mas tento ver pelo lado bom mas nisso ele se transforna num boneco com cabeça de barro e imediatamente depois desaparece e só resta a poltrona vazia. O fato de estar sozinha pedindo ajuda para uma poltrona vazia me desespera. Fico na dúvida se isso está realmente acontecendo ou se estou tendo dificuldades de visão pelo fato de estar extremamente, extremamente cansada (mas por incrível que pareça não me ocorre que esteja louca). Começo a agir como se fosse dificuldade de visão, mas por outro lado um vazio opressor na sala me faz sentir que não existe ninguém ali e estou mesmo sozinha. Começo a falar para a poltrona vazia como se existisse um analista ali que não estivesse enxergando. Digo, muito transtornada: –O que é isso, o que é isso que está acontecendo, não estou conseguindo ver, as coisas ficam mudando, mudando, não estou conseguindo ver este analista.

Penso comigo mesma que, alterada desse jeito e falando essas coisas, se por acaso tiver um analista aí, deve estar pensando que eu sou completamente doida. Estou agindo como uma doida. Quando me acalmo, vejo que a poltrona continua vazia e que estou sozinha, sozinha, sozinha. Não vai vir nenhum analista me ajudar. Desanimada, começo a tentar encontrar esse analista com quem eu tinha uma hora marcada. Entro num lugar que parece uma cantina. Quando estou parada na porta, falo com um faxineiro que está do lado de fora, e ele é a única pessoa com quem tenho contato real .Pergunto sobre o doutor. Digo o nome. O faxineiro conhece mas não sabe onde ele está. Me diz para falar com a moça do caixa. Vou lá e começo a falar com ela. Ela começa a responder. E então começa a sumir até desaparecer por completo. De novo estou falando com uma cadeira vazia. Fico sem saber o que fazer. Nessa hora (prá falar a verdade não tenho bem certeza se isso não acontece antes de eu falar com a moça do caixa) começa a entrar uma multidão na cantina, todo mundo falando ao mesmo tempo. Nesse momento tenho a única atitude que me faz sentir bem no sonho: eu grito. Grito:–Sai todo mundo daqui! Agora! Eu tenho hora marcada com o doutor não sei o quê e eu quero saber onde ele está!

Todo mundo me obedece e sai. Mesmo assim não consigo achar o analista. Vou para um canto da cantina, sem saber o que fazer. Outras pessoas começam a entrar. Vieram fazer uma aula de dança meio alternativa. De repente, minha mãe aparece na porta, entre uma multidão. Ela não me vê, está falando com outras pessoas e nesse momento eu sei que foi ela que marcou essa consulta com esse analista para mim. Me escondo para que ela não me veja. Estou com raiva dela. Ela vai embora. Reparo que a cantina está cheia de rapazes bonitos. Vejo um ator de um seriado que acho muito atraente. Decido convidá-lo para tomar um café. Penso: é só um sonho mesmo, o que eu tenho a perder?

Estou cheia de coisas pesadas e difíceis de carregar comigo: um saco cheio de laranjas, um casaco pesado num cabide. Pego tudo isso e me aproximo do cara, mas nessa hora chega um mensageiro com um comunicado importante que era o que todos os outros estavam esperando. Eles se juntam ao redor do mensageiro, para ver o comunicado. É alguma coisa que envolve política, parece um movimento estudantil.

Não tenho mais como falar com o moço. Vou embora sozinha, sozinha, sozinha.

{10 de setembro de 2003}

IMAGE CREDITS ERWIN OLAF

 

 

 

 

O ANALISTA QUE NÃO ESTAVA LÁ

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