OS DOIS IDIOTAS

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Eu estava na casa da Gregório, onde passei a adolescência, mas tinha a idade que tenho agora e era dia do meu casamento. Não sabia com quem ia casar e isso não importava a mínima, nem em um momento penso nisso.

Eu não estava nem um pouco feliz, mas ao mesmo tempo isso também não importava. Estava de acordo com o casamento. Aliás, o que estava me entristecendo mais do que o casamento infeliz em si era o fato de que não tinha um vestido bonito de noiva. Me dava conta de que tinha deixado para a última hora, não tinha pensado nem um pouco nisso e agora ia ter que me virar com o que fosse.

Primeiro minha mãe fala para eu usar uma combinação antiga dela como vestido de noiva, me diz que é linda. Ela traz para eu ver. Realmente é uma linda combinação antiga rendada, mas é azul forte, e parece muito combinação. Não dá para passar por vestido de noiva de jeito nenhum. Digo que não vou usar.

Aí tem um rebuliço na rua e eu, minha mãe e meu pai saímos para ver.

Tem um monte de gente lá, convidados para o casamento e fico sabendo que o Dan está lá. Não quero encontrar com ele, mas também não consigo me afastar dali, porque todo mundo está querendo ficar lá. Fico tentando achar o Edu para que ele fique comigo e o Dan não me veja como uma “sozinha” , o que é estranho, porque afinal, é o meu casamento, não tem mais como eu ser vista como uma “mulher sozinha que ninguém quer”. Mas o Edu está querendo falar com o Dan porque ele é ator famoso.

Volto para casa meio chateada. A casa também está cheia de gente. Quando eu entro, O Edu vem correndo, me abraça e cai comigo no chão, de brincadeira. Nós damos muita risada e justo nessa hora entra o Dan. Ele passa correndo pela gente e diz:

– Você parecem dois idiotas!

E apesar de até então eu estar achando graça da brincadeira, fico achando que devo estar mesmo parecendo uma idiota, rolando no chão com o Edu como se nós fossemos crianças. Me levanto e grito na direção do Dan:

– Idiota é você que... 

Mas minha voz se perde no burburinho geral.

Então estou com a Clarissa e ela elogia de um jeito muito entusiasmado um vestido de noiva que ela tinha visto, feito com um lençol florido que eu tenho na vida real e gosto muito. Eu sei que vestido é, e também acho ele bonito e penso com tristeza que esse é o vestido que eu gostaria de estar usando no meu casamento.

Aí acontece uma coisa muito louca que sinto que tem um significado profundo e que é completamente ilógica e muito difícil de explicar:

A Clarissa está elogiando o vestido florido como se fosse o vestido do meu casamento, inclusive ela elogia a minha escolha. Mas apesar de eu estar vendo que ela não está usando o vestido, está usando um conjunto de saia e blusa branco e preto que eu acho muito feio porque parece roupa de crente, apesar disso, eu penso e sinto como se o vestido florido pertencesse a ela.

E penso e sinto como se essa roupa feia que ela está usando fosse a que eu fosse usar no meu casamento. Mas é como se existisse uma troca de corpos, o corpo dela na verdade fosse o meu, porque quando penso em pedir emprestado dela o vestido de flor, mudo de idéia, porque se eu pedisse para mim, significaria que ele na verdade iria parar no corpo dela e a roupa feia que ela está usando na verdade viria para para o meu corpo.

Então não peço o vestido. Em seguida estou me preparando para o casamento e escovando os dentes num tanque que tem no quarto da minha mãe. Quando bochecho e cuspo, sai uma montanha de arroz da minha boca. Como se aquilo tivesse se acumulado ali. Quanto mais eu cuspo, mais sai e aquilo parece não ter fim. Fico com vergonha porque acho aquilo muito nojento, mas por outro lado quero que saia, quero que saia tudo e me deixe livre.

Aí logo depois estou indo comprar uma coisa no centro e vou atravessando uma praça que fica cada vez mais cheia de tipos suspeitos. Fico com medo e penso que desse jeito com certeza serei assaltada. Vejo uma família passando na rua lá em cima. Me parece que se eu estiver junto deles, estarei segura, por que ninguém atacaria uma família. Corro para ficar perto deles e me afastar dali.

{14 de maio de 2004}

IMAGE CREDITS ANNIE LEIBOVITZ | NATALIA VODIANOVA + BENJAMIN MILLEPIED | VOGUE US NOVEMBER 2014

OS DOIS IDIOTAS

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