CONTATO

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{21 de junho de 2025}

Depois de uma vida, uma vida desse maldito sonho de eu me perdendo ali pela região da 23 de Maio, com aquele labirinto de viadutos e me afundando cada vez mais em caminhos errados até o ponto de exaustão e desistência, esse inédito sonho com inéditos progressos que mesmo a parte mais cínica da minha mente não tem como desacreditar.

Há um lugar para o lado da Zona Leste para o qual me dirijo periodicamente com uma frequência de uma vez por semana, mais ou menos. Curiosamente, eu me localizava bem na Zona Leste quando dirigia. Minha dificuldade era para outros lados. Mas no sonho, tive essa ousada ideia. Contratei um homem para , na volta, ir dirigindo na minha frente e eu vou seguindo ele. Esse homem prestava serviços não exatamente desse tipo, mas próximo o suficiente para que quando eu propus esse esquema, ele tenha aceito. Mas para ele também era a primeira vez que fazia isso. Então na volta desse trajeto, não sei porquê na ida não era necessário, eu ia seguindo o carro dele, que era um desses jipes chiques, não sei nome de carro. Era fácil e eficiente. Fazemos isso várias vezes e a cena de eu seguindo ele por aquele viaduto que desemboca nos túneis que levam aqui para o Centro é muito nítida nos sonhos. Fico observando ele ir pegando a direita para ficar de jeito a pegar o túnel certo. Fica tão sossegado que eu tenho brecha de me distrair ali do caminho e começar a fantasiar um envolvimento romântico com ele, que na minha cabeça está na iminência de ocorrer, mesmo sem nenhum sinal nesse sentido da parte dele.

E é justamente essa paixonite que quebra essa perfeição desse esquema, inteligentemente bolado por mim. A essa altura já sei de cor e salteado todas as manobras que o carro dele faz. Ao invés de prestar atenção no caminho, coisa que me confunde, presto atenção nas manobras do carro dele, e como estou já meio apaixonada, em qualquer coisa banal vejo sentidos do quanto ele é maravilhoso. E nessa vez, então, estamos nessa altura do viaduto antes de chegar nos túneis e eu estou ali apaixonadamente observando ele ficar na pista do meio, e então pegar a direita, e dessa vez ele demora um pouco a fazer isso, afinal, o caminho é o mesmo mas o trânsito não, e eu também demoro um pouco mais para fazer o que deveria fazer, que seria me manter colada nele. Isso por dois motivos. Primeiro por estar mais preocupada em ficar observando apaixonadamente ele e fantasiando que quanfo chegassenos ele iria me convidar para tomar um café, do que me manter próxima do carro dele e em segundo lugar, por achar que a partir dali eu já sabia o caminho e então se perdesse ele de vista, saberia chegar em casa, na Roosevelt, e tem isso de nem sempre minha casa ser a Roosevelt. E é o que ocorre, perco ele de vista. Tudo bem.

Logo tenho a bifurcação dos túneis diante de mim e pego o da direita, sem hesitar.

Esse túnel não desemboca aqui na Praça Roosevelt como eu imaginava, mas num lugar com cara ali da 23 mas perto do centro, que me parece familiar. Tudo bem. Dirigindo sozinha tudo parece diferente mesmo. Deve ser isso mesmo e não tinha reparado. Vou seguindo. Mas então isso dá naquela parte da 23 perto do Circulo Militar, eu estou estranhando mais mas vou seguindo, pego uma via que parece a certa e nesse ponto percebo que sim, estou perdida. Aquele túnel que peguei lá atrás, que esperava que desse já na minha casa e não deu, justo o túnel que eu tinha certeza de estar certo, não devia estar.

Agora todo meu foco está nisso. Nem sei para onde estou indo. Devo estar muito mais distante do que imagino. Mas essa parte, na qual me mantenho em frente mesmo sabendo que estou indo para o lado errado, não perdura pois eu viro uma esquina e subo com o carro na calçada. Pronto, atolada de novo, que nem no sonho de uns dias atrás.

Essa calçada era na frente de, mais uma vez esse símbolo, um desses mini shopping de rua. Então numa lógica sem lógica de sonho, a melhor ideia seria descer do carro, entrar no shopping e de lá mandar msg para o homem vir me buscar.

É o que faço e quando adentro bastante o shopping e me sinto a salvo de ladrões de celular, acho que essa seria a razão para não ligar do carro mesmo, pego o celular para ligar para o tal homem. E aqui se desenrola essa bombástica cena. Pego o celular e entro no whatsapp dele. No que entro no whatsapp dele, o avatar dele, aquela bolinha com a fotinho que tem um texto que as pessoas às vezes personalizam, hi, I am using whatsapp, ele havia personalizado com um rugido. Não um rugido de animal, um desses grumf que os homens fazem que parecem rugidos. Acho aquilo sexy e masculino.

No whatsapp dele, quando a gente vê ali as lista de mensagens, todas são gifs de imagens de um mesmo estilo de ilustração: um traço meio indiano, com cores bem típicas de design indiano, de roupas indianas, marrom, aquele vermelho, amarelo.

Todas as msg dele vem nessas ilustras. Me pergunto o que isso representa a nível de símbolo. E aqui tenho que descrever ele, cuja figura, apear de nunca estar na minha frente pessoalmente no sonho, está super definida: um homem de menos de 40, careca com barba preta, aspecto bastante viril. Olhos bem negros, sobrancelha densas. E no que estou me preparando para enviar msg ou talvez até ligar, uma outra mensagem abre em pop up na minha frente.

Seria uma coisa nova que havia surgido. A pessoa, ao invés de ligar para a outra, enviava uma tela com uma espécie de link e um convite para a pessoa que recebia a mensagem ligar para quem a enviou. Essa modalidade facilitava o trabalho da pessoa de digitar o número do telefone. Aqui é confuso porquê na hora que o pop up abre, não acho que seja do Mike, e nesse instante, fica colocado desde sempre ser esse o nome do homem, Mike. Mas meio sem pensar, ou por achar que pode ser sim que seja, ele deve estar preocupado profissionalmente comigo, eu clico no link e uma ligação telefônica se completa. - Alô, Silvia, diz uma voz masculina alegre do outro lago da linha.

- Mike?

- Não, não sou Mike. Estou tentando um contato com você, Silvia.

Aqui não hiper lembro das frases, mas o sentido foi mais ou menos nessa linha.

Acho aquilo com cara não de golpe, mas com cara de vendedor de algo, então permaneço dura e fria.

- Eu conheço sua mãe, ele me diz.

- Desculpa, com quem você trabalha?

- Com quem eu trabalho?

Eu havia dito exatamente isso, mas resolvo simplificar a pergunta.

- Com o quê você trabalha?

- Com contatos, ele me responde.

Então não é o Mike e essa coisa de trabalhar com contato parece cousa de telemarketing.

- Não posso falar, estou esperando uma ligação, digo.

- Me liga, diz o homem antes que eu desligue.

O tempo todo teve uma viz alegre e amigável, mas eu me livro dele como se me livrasse de um incômodo.

E aqui não lembro. Ou não falo com o Mike e saio desse shopping passando pelo estreito vão entre mesinhas e cadeiras de um restaurante ali, com o garçom me olhando com desprezo crente que vou derrubar tudo, pois carrego comigo um monte de sacolas de plástico branco, que apesar de muitas, são leves, uma clara representação do quanto minhas múltiplas atividades vem se tornando mais leves,as eu, muito agilmente, me desvio para um vão um pouco mais largo entre mesas e cadeiras do mesmo restaurante, não derrubo nada e chego na rua.

Me ligue. Eu quero falar com você.

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