{4 de dezembro de 2014}
Acho meus sonhos fascinantes e gostaria de em algum momento fazer alguma coisa com eles não só literariamente mas que transmitisse o que tem sido o meu relacionamento com eles, uma forma de comunicação muito sofisticada entre o meu eu consciente e uma outra parte de mim mil vezes maior, mais onisciente, que antecipa o desenrolar da minha vida as vezes com 10 anos de antecedência, que me dá as repostas verdadeiras sobre os impasses que enfrento, e que se amplia quanto mais eu dou atenção a ela.
Esse de hoje nem achei tão impactante, ou talvez eu esteja triste e vá achar isso mais tarde.
Começa com uma cena que é apresentada como se fosse parte de um filme, então ela é vista meio como ficção, com distanciamento emocional.
Tinha um homem, já de quase 50 anos, que era um péssimo marido, tinha muitas amantes. A esposa dele parecia uma acomodada apaixonada, mas uma noite, quando ele se deita, meio num clima romântico com a esposa, coisa que acontecia ainda, o cara era irritante mesmo, desse tipo que curte ter um monte de amante e ainda dar uma de marido apaixonado, mas enfim, a esposa, que apesar da idade parecia um pouco aquela Carol Coelho do vídeo Hits da Moda, tira a arma que estava debaixo do travesseiro e mata o cara.
Não tinha nenhum motivo para isso a não ser o fato dele ser péssimo marido, coisa que ela podia ter resolvido com um divórcio, mas ela não queria resolver, queria se vingar.
Depois disso ela se transforma numa senhorinha que é dona ali da casa onde estou meio que morando, e o assassinato, apesar de ter sido cometido com uma arma, por essas surrealidades de sonho também foi cometido com bifes de fígado envenenado que ela serviu ao marido. Estou com medo dela, me parece louca, digo que vou embora e ela me fala para levar uns bifes de fígado para comer mais tarde, eu recuso, claro.
Saio e estou nas imediações ali da Fernão Dias na direção da FNAC.
Tenho medo que a senhorinha assim que caia a ficha que eu fui e não pretendo voltar,e que sei que ela é uma assassina, venha atrás de mim de carro, então resolvo ao invés de ir pela Pedroso, a avenida principal, ir pelas ruinhas secundárias, onde ficaria mais difícil ela me encontrar.
E na verdade o que acaba acontecendo é que encontro umas vilinhas que não existem na vida real e que vão me atraindo e cada vez mais desencano de chegar logo em casa.
A primeira vila tem umas casas bem interessantes e ela se ramifica, uma vez que se entra, é meio complicado sair, tem escadas lá dentro para vários níveis. Já tive vários sonhos com isso de não conseguir sair de lugares meio labirínticos e esse não é o caso. Dá para sair sim, eu é que resolvo explorar aquilo, pensando em encontrar a casa do Homem que eu amo. Só que tem uma diferença, que acho que nunca apareceu antes. Procuro a casa dele, mas é como se estivesse acordada, meio que “faço de conta”. A coisa me parece uma fantasia. Poderia dar a impressão que o sonho tenta mostrar que isso é uma fantasia, mas a sensação mesmo não é essa. É mais como se eu estivesse tão desiludida, que não conseguisse nem mais sonhar com isso.
Fico andando por ali olhando umas casas legaizinhas, e isso é meio raro, a maioria desse tipo de sonho, fico olhando as casas e elas me parecem feias demais ou sujas demais ou cafonas demais para serem a casa dele. Mas nesse sonho encontro várias casas que eu, no sonho, olhando, penso bem assim:
– Nossa, se fosse um tempo atrás, eu logo ia querer tocar a campainha dessa casa, parece uma casa bem provável para ser a dele.
Mas estou muito, muito desanimada. Nada vai acontecer, penso. Vou passar constrangimento, ter que ficar me explicando. Pura perda de tempo.
Então não toco.
Acho que isso nunca aconteceu em sonho mesmo, nunca. Porisso que estou com essa sensação de tristeza.
Na verdade ando por ali, meio que resgatando não exatamente aquilo de tentar achar o Homem da Casa Azul, mas resgatando os sonhos nos quais eu fazia isso. Ando por ali não exatamente pensando nele, mas pensando nos sonhos nos quais eu procurava por ele, com uma certa saudade.
Aquela parte que achava que seria possível encontrá-lo não está mais lá.
Sim, é triste.
É meio difícil de explicar direito, mas não existe mesmo uma sensação de ter ficado mais amadurecida e percebido que essa busca era pura ilusão, etc.
Estou consciente de que aquilo é um sonho, e sendo um sonho, eu poderia dar vazão a qualquer desejo, mas essa parte de mim chegou a um tal nível de frustração, que acha que nem em sonhos é possivel. Ali no sonho, enquanto ainda sinto a curiosidade e atração pelas casas, tenho, muito consciente , a memória melancólica dos inúmeros sonhos anteriores nos quais tentei achar esse homem e jamais consegui.
O que não é verdade, eu consegui sim, naquele sonho de 2002.
Mas disso eu não lembro. É como se nem tivesse ocorrido.
Mesmo sem esperanças de um sucesso de fato, vou me entretendo ali com resquícios daquela sensação de estar prestes a encontrar esse Homem e toda a excitação que isso provoca. Como se estivesse brincando disso.
É meio louco porque, agora escrevendo, sinto vontade até de chorar, mas no sonho, esse estado de frustração se tornou tão o meu habitual, que estou quase que bem, curtindo o que existe ali para se curtir, que é aquele lugar com casinhas atraentes. Viajando numa fantasia mesmo, como se estivesse fantasiando na vida real.
Na verdade esse é o tom do sonho todo, porisso que me bodeou um pouco. Algumas coisas ocorrem que chamaram a atenção, terão algum significado?
Essa vila se chama UNES. Fico repetindo o nome para mim mesma. Subo a escada mais alta e encontro um apartamento com porta de vidro, posso ver o interior. Pela aparência, seria o que mais me parece com cara de “ser dele”.
Fico pensando em entrar, mas, como disse, estou desanimada. Olho para aquilo mais lembrando de sonhos anteriores nos quais entrei, esperei, aguardei e nada.
Não chego a sentir medo. O que me detém é uma bizarra, pelo menos no meu caso, sensação de realidade. Encaro aquilo quase, quase, não totalmente, mas quase como uma situação real. Avalio o custo benefício. Vou entrar aí, minhas expectativas não vão se realizar vai que aparece alguém, vai ser uma chatice ficar me explicando,etc. Vale a pena?
Então fico do lado de fora da porta, fantasiando. Sim, fantasio dentro de um sonho, sobre o que eu gostaria que acontecesse. Gostaria de entrar, que estivesse escuro, que ele viesse ao meu encontro,que me tomasse.
Muito triste mesmo. E nesse apartamento, noto algo estranho, parece muito vazio,mas ao mesmo tempo está arrumado. Então noto um bilhete preso na porta, dizendo que estava a venda por um milhão. Não tem ninguém aí, ainda bem que não entrei, penso. Mas ele poderia ser o corretor, deve ter alguém aí, as luzes estão acesas.
Mas vou embora.
Acho que nesse pedaço é que volto a Pedroso e encontro o Mr White.
O Mr White veio me pegar de carro. Ele é meu ex. Nesse momento ele está bem mais para Mr White que Heinsemberg.
Ele me chama para ir não sei onde com ele, eu concordo. Está um clima que me parece de reatamento, ali com ele. Começo uma conversa sobre um arqui vilão que o Mr White, no seriado, ficava o tempo todo tentando encontrar. Isso parece real no sonho, como se fosse o enredo do Breaking Bad mesmo.
Então eu digo assim para o Mr White, num estranho paralelo com a minha própria busca pelo Homem Que Me Ama:
– Sabe, acho estranho que um homem super inteligente como você, que tem a sua disposição tudo que existe de mais sofisticado em termos de tecnologia, ao invés de sentar num computador e localizar esse cara por meios modernos tecnológicos, fica aí fazendo uma busca de casa em casa, a coisa mais ineficiente do mundo, e agindo como se fosse impossível localizá-lo, como se fosse uma busca impossível para a qual você se dedica sem esperanças, criando esse drama todo, sendo que se usasse os meios certos, duvido que não conseguisse localizá-lo rapidinho, com todas as informações que já acumulou sobre esse cara.
Agora escrevendo, o paralelo é realmente gritante, com a minha própria busca, tirando o fato de que eu busco o Amor, e ele, o Inimigo.
Mas no sonho, isso não me ocorre. Não falo com agressividade. Falo com carinho e estou mesmo confusa a esse respeito.
Então o Mr White me surpreende. Ele me diz, num tom bem deliberado:
– Bem, pode ser que eu esteja mais interessado na busca do que propiamente no encontro com ele.
Imaginava que ele iria discordar veementemente, tentar me convencer de que estava fazendo de tudo, que eu não sabia das dificuldades. Mas ele concorda comigo, Era a última coisa que eu esperava escutar, e tem o impacto de uma revelação, e de certa forma uma revelação tardia, porque de uma maneira meio obscura, seria como se o pivô da nossa separação tivesse muito a ver com essa obssessão que o Mr White tinha de encontrar esse arquiinimigo dele, e o quanto ele estava sendo consumido pela impossibilidade disso. Mas então a verdade era outra, ele esteve esse tempo todo optando por adiar esse encontro com o arquiinimigo? Fico reajustando minhas idéias e tão absorta nisso, que vou indo com o Mr White nesse programa que ele me convidou, que vai se configurando cada vez mais uma barca furada.
Mas antes de entrar nisso tenho que fazer um parênteses para falar disso que passou batido no sonho mas que agora escrevendo salta aos olhos: mais uma vez, um paralelo com a minha vida real, meio invertido: o pivô da separação entre Mr White e eu, que obviamente nos gostávamos muito, havia sido sua obssessão meio desiquilibrada não exatamente por esse arquiinimigo, mas, estava descobrindo naquele momento, pela busca por esse arquiinimigo.
E eu, se teve algo que foi uma espécie de fator decisivo para aceitar a separação com o Adriano, mesmo sentindo coisas por ele, foi o fato de que não achar que ele fosse “ o Homem da Casa Azul”.
Meu deus, quanta coisa nesse sonho que parecia ser meio vazio até de conteúdo, apesar de bem movimentado. Estou me sentindo culpada de estar aqui escrevendo ele quando tinha tanta coisa prática para fazer, mas vamos em frente, achava que era um sonho só sobre estar girando em círculos, mas talvez seja sobre a razão de eu estar girando em círculos.
Então fico reavaliando tudo, tudo, o meu relacionamento com ele, a ruptura, a partir dessa nova informação.A única coisa que permanece, naquilo tudo, é o fato de que Mr White gosta de mim. Gosta. Não sei se é amor. Não importa o motivo, ele escolheu se separar. Então não é amor. Assim penso.
Chegamos numa espécie de área de alimentação de um cinema, mas não uma coisa tipo shopping, insuportável, algo bacaninha. Mr White me deixou meio de lado para dar atenção as outras pessoas que ele convidou, que são sua nova família, sua nova namorada e as filhas dele estão junto.
Já tinha me tocado de que aquilo não era um encontro só eu e ele, mas estou tão tomada por pensar naquilo que ele disse, que isso se torna secundário, que o fato de estar me sentindo abandonada se torna secundário, e no fato de eu, por pura carência, estar me deixando levar por atenções de uma amiga dele que me parece lesbicamente interessada em mim se torna secundário.
Enquanto Mr White se afasta para resolver o lado prático, comprar ingressos, arrumar mesa para a gente, etc, essa garota me arrasta para olhar ali a área de alimentação. Vou com ela só de corpo presente, estou totalmente perdida nos meus pensamentos. Vemos umas mesinhas de uma café que parece bem legal, vamos até lá e descobrimos que está fechado. Não fechado como se tivesse encerrado por hoje, mas como se tivesse falido.
Digo algo engraçado sobre como não deveriam haver cafés fechados, criam uma falsa expectativa, iludem pessoas que amam café, como eu, etc.
A menina acha graça, é engraçado, mas ela reage daquela forma meio “a mais” que as pessoas flertando reagem. Isso me dá tipo um sinal de alerta, penso: Bom, hora de dar um ponto final disso, estou iludindo essa garota.
Então me afasto dela. Acabei sentada com um grupo na mesa secundária. Na mesa principal, Mr White se sentou com a família atual dele. Vejo a Larissa e a Grazi, crescidas, pré adolescentes, e de costas, a atual namorada dele.
E só então caio em mim. Que estou fazendo aqui? Estou de relação secundária dele, menos que isso, porque não éramos amantes, era mais como se eu fosse a ex que gravita ao redor do antigo namorado, porque não era ele com minha atual família, era eu com a atual família dele.
Então percebo que devo ir embora.
Para ficar pior, só faltava as meninas me reconhecerem, pelo menos isso ainda não aconteceu.
Me levanto e vou até onde ele se senta, na ponta da mesa. As meninas mexem em celulares e não me percebem, mais que isso, não faço mais parte do mundo delas, então é como se eu tivesse me tornado semi-invisível.
Digo ao M White:
– Vem aqui, preciso falar com você.
Ele diz que está ocupado ali, mas eu insisto.
Ele então vem.
Eu apenas digo:
– Vou embora.
Nenhuma explicação é necessária.
Me aproximo para me despedir, e ele, imediatamente tenso, recua o rosto.
– Calma, não vou te beijar, digo.
Mas não poderia garantir que não estava meio automaticamente fazendo isso.
O abraço, e penso:
– A que ponto a situação se deteriorou, ele se tornou um desse homens que rejeita contato físico comigo. Tenho que ir embora mesmo.
Então o abraço meio superficialmente, imaginando que ele queira dessa forma. Mas quando começo a me separar, ele me retém. Me abraça forte, não solta.
E ali de olhos fechados, imersa naquela escuridão do abraço, começo a soluçar. Algo naquela atitude me parece familiar, mas não sei dizer o quê. Agora escrevendo sei. Tantas e tantas vezes desejei, ansiei, fantasiei com esse abraço carregado de amor, de um homem, que me faria cair em choro e liberar tanta dor guardada no peito, e era justamente o que ocorria ali, só que vindo de um homem que não me queria ao seu lado.
Mas choro. Não muito. Procuro deixar claro que estou chorando, não para fazer cena, mas porque quero que ele saiba que sinto coisas por ele, e aquele choro, no meio de tantas contradições, impasses, coisas ditas e não ditas, tantas decisões tomadas por bom senso, é a única coisa que diz isso.
Agora estou bem confusa escrevendo porque tudo isso me passa a impressão de que a verdade que o sonho tenta mostrar é que eu amo o Adriano e me afastei dele por causa de uma obssesão meio errada pelo Homem da Casa Azul.
Se eu estivesse chorando para fazer encenação, teria olhado uma última vez para Mr White, deixando que ele visse meus olhos cheios de lágrimas.
Como não quero deixar que um choro que veio naturalmente acabe virando cena, não me permito isso. Me viro e me afasto sem olhar para trás.
Caio novamente numa busca meio sem convicção pelo Homem da Casa Azul, andando por novas ruazinhas mas não são tão atraentes quanto a primeira.
Duas horas escrevendo esse sonho e ainda falta.
Acontece uma coisa que não sei como entender.
Passo por um viela meio barra pesada, um casal gritando, que nem aqui na Praça de noite, sigo em frente, desço umas escadarias molhadas, todos passam correndo, mas eu seguro no corrimão, está escorregadio, e carrego livros e livros, mas em seguida todos estão andando com cuidado, como se houvessem percebido o que eu havia percebido antes: que ali era escorregadio e perigoso. E então, andando super à toa, mais carregada de tristezas que antes, entro num restaurante. É bem bacana, com vários níveis.
Estou puramente na liberdade de ser uma pessoa desiludida e porisso me permitindo seguir meus caprichos. Fico atraída por um piso abaixo que vejo ali, pelo vão das escadas, e desço.
E então acontece algo forte.
O piso mais inferior tem vários ambientes, mas logo de frente para a escada onde estou, dou de cara com um jardim deslumbrante.
A imagem do “jardim deslumbrante” já é recorrente nos meus sonhos. É exatamente o jardim deslumbrante, só que meio limitado ao que é possível para um jardim dentro de um ambiente fechado.
É meio difícil explicar porque isso não tem um sentido deprê, o fato daquele jardim de certa forma parecer com uma redução do jardim original, ao ar livre, do qual não se divisava limites.
Mas fico parada ali na escada em êxtase.
Sim, êxtase. O fato de aquele jardim ter limites parece, de certa forma, ser compensado justamente por ser um jardim como aquele, dentro de um ambiente fechado. Mais ou menos como se fosse uma coisa mais mágica ainda. Em sonhos como o das hortênsias dentro da água furtada tinha uma coisa meio negativa de confinamento, mas, sou honesta quando digo que nesse jardim de agora, não é o que sinto.
O que penso é mais algo no sentido do quanto era maravilhoso, maravilhoso, terem conseguido construir aquele jardim vicejante, deslumbrante, ali dentro de um ambiente fechado.
Fico parada olhando aquilo com uma sensação que é meio difícil de descrever até para mim mesma. Confusamente penso algo como “ era isso que eu estava esperando”
O que quero dizer, não é como se estivesse buscando o jardim, mas aquele jardim tinha o nível de magia que era o que eu esperava encontrar na busca pelo Homem da Casa Azul, e que tinha falhado.
Então no fundinho, no fundinho, existe um pouco de mágoa nisso.
Penso mais ou menos algo como: era por algo desse calibre que estive esperando e venho encontrar aqui na forma desse jardim, já que não pude encontrar na forma do Homem que me Ama.
Fico olhando o jardim mas não entro nele.
Um rapaz de uma mesa se levanta e vem na minha direção.
Nossa, tenho preguiça de escrever essa cena. Me deixo levar porque o que me parece é que é uma estória de amor se delineando, e estou sob o impacto do jardim, que me faz sentir como se todos meus desejos estivessem prestes a se realizar.
O rapaz fala comigo de forma muito familiar, me leva a uma espécie de quiosque ali do lado, onde logo fica claro que ele está me confundindo com uma espécie de professora, ou cientista, que ele muito admira.
Não me decepciono tanto porque, como na ronda pelas casa, estou já num estado de frustração arraigada. O irmão dele vem falar comigo, também achando que eu sou essa tal mulher, eu, me divertindo da forma mais boba possível, mas a única ao meu alcance, o deixo pensar assim, e pergunto o nome dele, coisa que deveria saber se fosse a tal outra mulher, mas eu brinco dizendo que não guardo nomes e todos os nomes com B me parecem o mesmo, Bob me parece o mesmo nome que Bartolomeu.
Todos riem. Sou divertida, não há dúvida sobre isso. Mas... não é nada daquilo que quero.
Agora quero de forma mais definida ir embora. Saio dali, subo escadas, saio por portas, mas continuo dentro dessa vila.
Nada desesperador, se eu quisesse mesmo sair, teria saído. Mas me deixo levar por curiosidades bestas. Mas se ainda não estou num estágio de querer mesmo sair dali, pelo menos já entrei naquele estágio de que tenho clareza de que deveria estar querendo sair dali e procuro me forçar a agir nesse sentido.
Nesse momento estou tão bodeada no sonho quanto estou agora escrevendo, pro mais que, isso sim é algo a se pensar, superficialmente eu esteja me divertindo.
Vim parar na vila, do qual esse restaurante é uma das casas, mas ainda não saí da vila. Por uma passagem vejo um trecho muito conhecido de Pinheiros. Era só ir por ali, mas mais uma vez me deixo atrair por sub interesses,
Uma janela ao lado dá para um vão de escadas meio sombrio. Nem chega a ser bacana. Parece algo meio deteriorado, mas o escuro, como sempre, desperta uma certa excitação física em mim, e eu, que nem me dou conta do quanto estou agindo por pura desilusão, como a menina do vídeo clip que sai para a balada, penso:
–Por que não? O que tenho a perder?
É meio difícil passar por aquela janela, tenho que largar minhas coisas no chão, me debruçar sobre o parapeito e me esforçar o mais que posso. Estou mais destemida do que de costume porque sei que é um sonho, onde não corro perigo real,
Nesse momento estou com uma saia rodada de jeans que me parecia sem paralelo na vida real mas agora escrevendo me veio: é uma saia que eu tinha e usei muito na adolescência, inclusive naquela viagem que fiz para a casa da Silvia no Sul.
Me debruço e me jogo para dentro. O tempo todo espero que aquilo tudo desemboque num sonho caliente, mas nada ocorre. Umas pessoas sobem um lance de escada acima de mim. Eu pergunto a elas onde é a saída.
– Por aqui, venha, uma delas diz.
– Está bem, vou só pegar minhas coisas.
A pessoa acha ruim como se eu estivesse arrumando pretexto para permanecer ali.
Mas não posso ir sem minhas coisas. Nem estou falando da pilha de livros trambolhenta que carregava, talvez sem motivo, falo de coisas básicas, minha bolsa, minha carteira.
Me debruço o mais que posso sobre o parapeito de novo, tentando alcançar as coisas sem ter que passar para o lado de fora e depois voltar novamente.
– Deu muito trabalho passar para esse lado, não quero ter que fazer tudo de novo.
Sobre o chão cimentado estão minhas coisas espalhadas. Minha carteira, que é aquela antiga de couro em forma de risoli, que nem tenho mais, está meio aberta com os comprovantes de CC meio para fora.
Fico sem saber se as coisas se espalharam quando, meio sem cuidado, deixei elas caírem no chão ou se alguém mexeu ali, quem sabe roubou algo.
Mas me parece que o mais importante, a carteira e os cartões, estão ali.
Me estico o mais que posso, mas não alcanço. Estou perdendo o equilíbrio, e misturado com isso, aquela posição está meio que intensificando o desejo. Há um homem parado atrás de mim. Estou com a cabeça para fora do lugar, mas como se a parede fosse transparente, vejo seus pés calçados em sapatos sociais pretos.
Ao mesmo tempo em que penso comigo que essa é a última chance daquilo se tornar um sonho erótico, digo a ele:
– Por favor me segura, não quero cair para lá.
Para minha decepção, ele não se aproveita da situação e me segura apenas.
Mas é tarde demais.
Dou cambalhota e caio do lado de lá.
Conformada, começo a juntar minhas coisas.
Um homem que estava passando se agacha, começa a me ajudar.
Quando ele vê o cartão do meu plano de saúde, faz o seguinte comentário.
– Ah, vc tem esse plano. Antes eles só te ofereciam direito a um Meriva. Mas agora estão te dando direito a um Volvo e um Fiat.
Aqui tenho que explicar coisas que estão claras quando ele diz isso.
O cartão na verdade seria como se fosse um plano de carros, que fucionava como plano de saúde, eu pegava carros e usava quando precisasse. Meriva era tipo o carro mais vagabundo de todos. Tipo um hospital bem mequetrefe. Só que isso não tinha tanto a ver com o que o meu plano oferecia, mas com o que ele oferecia a mim. Eu é que era avaliada. E antes, por acharem que eu era mequetrefe, tudo o que me ofereciam era esse carro mequetrefe. Mas, sem que fique claro de que forma, eu evolui. E agora sou considerada a altura de um Volvo, o carro mais caro de todos. E um Fiat, uma opção mais simples mas eficiente, não como o Meriva, que quebra e te deixa na mão.
Era uma conquista minha, algo por mérito, e não algo como apenas um limite estendido de cartão de crêdito.
E tem mais uma coisa meio significativa: o Volvo, esse carro que agora era o top dos carros, tinha, a bem pouco tempo atrás, quase sido retirado de mercado, por estar dando muito problema e ser quase considerado um perigo para o motorista.
Mas o carro tinha reconquistado, também por mérito, a primeira posição no ranking dos carros, meio assim como eu.
É agora o carro mais caro, mas também o mais seguro do mercado.
E eu, que normalmente opto pela simplicidade, penso:
– Vou experimentar o Volvo um pouco, sentir como é dirigir um carrão. Por que não?
E apesar de mais uma vez essa frase se repetir, a sensação ali é bem outra.
Não é mais uma atitude de dissipação, de fuga dos meus problemas.
Isso é algo que conquistei por mérito, um mérito que valorizo. E pretendo aproveitar seus frutos.
E isso é a única coisa verdadeiramente boa e “vida” desse sonho. O único aspecto em que não estou, como no resto, frustrada.
E como se não bastasse tem um pedaço no meio disso tudo, acho que logo depois que saio do restaurante que tem o jardim, no qual eu percebo que uso sapatos masculinos, sapatos sociais pretos, e resolvo tirar e usar um escarpin vermelho de salto bem alto, como da Ema Stone.
E como se não bastasse, a coisa sobre ser confundida com a tal mulher meio professora, tem algo a ver com feminilidade também. O rapaz, o primeiro, havia feito um anúncio, meio que tendo a ver com o trabalho dessa mulher que ele achou que era eu, e ele me começa a falar sobre esse anuncio, que parece havia sido até premiado, não estou nem prestando mais atenção, uma vez que percebi que aquilo não vai desembocar num romance, é só uma grande equívoco, mas o anuncio que ele descreve é sobre feminiliade, e tem um slogan mais ou menos assim: A verdadeira essência da feminilidade é....
Ou a essência da verdadeira feminilidade é....
E depois que escrevi isso, como se fosse a última pedra do quebra cabeças, o sonho se organizou na minha frente e expôs seu significado.
A verdeira conexão com minha feminilidade vai me tirar dessa realidade de coisas “ meio certas meio erradas no amor”
Assim como tira em relação a criatividade, coisa que foi experimentada ontem, com uma nitidez muito grande, na vida real, porque eu voltei a fazer aquele exercício do “S”.
IMAGE CREDITS INEZ & VINOODH | LISA | V MAGAZINE 152 PRE SPRING 2025