{24 de março de 2015}
Apesar do surrealismo todo, acho que sei a que se refere.
É uma mecânica meio difícil de explicar.
Eu e uma outra garota, que é quase a Lúcia, mas há algo muito, muito sutil de diferença, sempre repetimos um determinado ato.
Ali no quintal da Gregório, do lado do varal, que não entendo por que cargas d;água é palco de vários sonhos mega importantes, entre eles o do homem da bomba de gás, que anunciou a vinda do Adriano, ( a Bomba de Gás) e o do Muro e a Vagina. Deve ter mais.
É que esse canto da minha casa me parece tão sem nada....
Mas enfim. É como se a saída ali da cozinha estivesse espelhada na planta e existisse no sentido oposto. Eu e essa menina, mais outras pessoas, ficávamos no que parecia muito a cozinha, mas que era como se fosse em cima ali da região do varal, e a gente saísse dela por uma porta que dava para uma escada que descia até o térreo, mas no sentido varal-escadinha que descia até o gramado.
O ato que eu e a garota Lúcia e não Lúcia repetíamos consistia no seguinte. Para escapar de dentro daquela casa, que era perigosa, nós dávamos as mão, as duas mãos, e nos concentrávamos e com essa concentração conseguíamos passar não apenas pela porta que havia na cozinha, mas por um portal mágico no qual a gente fazia essa porta se transformar. Ou melhor dizendo: ali na porta da cozinha havia também um portal mágico, que nos livrava daquela casa. Esse portal só conseguia ser acessado se estávamos de mãos dadas e super concentradas. Passávamos por esse portal e íamos sair ali no quintal, num quintal que era exatamente igual ao quintal da Gregório, mas num universo completamente diferente. Como se fossem mundos paralelos mesmo. Nesse mundo paralelo, as coisas eram diferentes para melhor.
Eu e essa quase Lúcia escapamos da casa diversas vezes dessa forma, mas isso durava só um tempo, depois nos víamos de volta a casa de novo, como se a força daquela concentração durasse apenas um certo tempo. Cada vez a passagem se tornava um pouco mais dificultosa, principalmente por causa de umas gosmas de sujeira que estavam se juntando na porta da cozinha real, e que assustava a Lúcia e impedia que ela se concentrasse direito. Eu dizia para ela: Abstrai. Não presta atenção na sujeira. Dá para passar, a sujeira não impede. E de fato não impedia. Só que da última vez que eu passo, não sei se por causa da sujeita, ou porquê a concentração talvez tenha sido mais fraca, passei mas a Lúcia ficou do outro lado. E me encontro exatamente ali, naquela região do quintal, que ficava ao lado da janela da lavanderia, mas tudo está escuro e deserto.
Tenho a impressão de que tudo, a casa, o quarteirão inteiro, estão desertos. E tenho a impressão também de que não é que atravessei para o lugar errado, e sim, que se não atravesso com a Lúcia, o lugar que antes era encantado e livre se transforma nesse lugar vazio e escuro.
IMAGE CREDITS MELVIN SOKOLSKY | SIMONE | HARPER'S BAZAAR 1960