O CONTADO

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{23 de setembro de 2024}

Antes de eu ser chamada para ser freela do Objetivo, um dos trabalhos bem remunerados que tive, andei fazendo freelas para uma agência pequena que lembrei, tinha um cara ou um dono que era um rapaz magro, moreno, de rosto meio amorfo e que me passava bastante trabalho e lembro que uma vez fiquei sentada ao lado dele na agência dele falando e falando e meio que paquerando ele até que ele disse:

– Bem, agora vou para minha casa.

Eu me manquei e me despedi.

Só histórias vergonhosas nesse departamento, mas a razão dessa lembrança era outra.

Quando fui chamada pelo Objetivo, algo que meio que me consolidou como ilustradora freela, foi do nada e mais ainda. A Marina Mesquita, que me chamou, disse que eu tinha sido indicada por um tal cara de quem eu nunca, nunca havia ouvido falar, mas deixei quieto pois no fundo achei que havia tudo sido um engano e esse tal cara havia indicado outra pessoa.

Lembro até de eu parada olhando o e-mail dela, depois de já ter até começado a trabalhar e pensando em tirar aquilo a limpo e achando melhor não.

Eu estava precisando de trabalho, havia sim feito o Sol Dourado, que me lembro até e como todos os retornos do Sol Dourado, foi forte e veio do nada.

Mas o link com esse rapaz de quem não lembro o nome foi que não sei por quê, achei que havia sido ele que havia me indicado. A Marina poderia ter confundido o nome dele, pois o nome que ela mencionou não era dele.

Bem, hoje espontaneamente o Trabalho Energético convergiu para três Sol Dourado, bem como era antes por mais que eu me sinta errada e fazendo coisas erradas.

Eu havia colocado a Gassipós para vender.

Já me vêm as interpretações.

Minha criatividade no estado mais puro.

Eu havia colocado a Gassipós para vender. Estava eu administrando a venda.

Foi um sonho nebuloso.

Tem uns lances ali de ida e vinda e tem uma cena vem um interessado na compra ver a casa e estamos eu e mais duas pessoas deitados dentro de bacias grande de alumínio, como essa que tenho aqui na kit, cada um em sua vazia, dormindo. Não estamos tomando sol. Estamos dormindo. Estou meio acordada e percebo o interessado andando ali pelo quintal de caquinhos, sendo que a minha bacia em particular está perto do muro com a casa do vizinho, que era minha fantasia de escape quando criança, virada de frente para a tal casa. Permaneço de olhos fechados. Não seria algo que prejudicasse a tal visita do interessado, estar com os moradores proprietários dormindo em bacias no quintal. Mas que símbologia. Dormindo. Ainda por cima no quintal e como se não bastasse, em bacias.

E então depois disso começa a cena que denomina o sonho.

Dentro da casa, e o quarto parece o da Gregório, o corretor, que justamente, lembra esse cara que não lembro o nome, o que talvez tenha me indicado para o Objetivo, o moreno de rosto amorfo, está muito investido em me convencer de uma espécie de desvio da situação de compra.

Acordei tão, mas tão bodeada com minhas questões financeiras que desprezei esse sonho mas ele é muito forte.

O corretor, que está agachado ao meu lado perto da cama, como eu muitas vezes ficava escrevendo nos cadernos, me fala, numa conversa meio desestruturada, não uma conversa com lógica tipo, olha só, surgiu essa proposta alternativa, você não quer considerar? Não, ele quase que desconversava ali e ia metendo o assunto na conversa meio que quase enganosamente.

Eu olhava ele de má vontade pois era assim que estava me sentindo, enganada.

Ele então me falava do tal interessado, acho que o mesmo que tinha vindo ver a casa, mas não como um pretendente de compra e sim alguém com outras pretensões e mesmo tendo havido na vida acordada o episódio do comprador da Ottonis que começou querendo alugar, o sonho não configura essa situação.

Justamente o corretor está me irritando por não me parecer objetivo e sim querendo me induzir.

Ele começa mencionando que eu deveria ou poderia me interessar em adotar os serviços desse interessado, algo mais ou menos assim, para o cargo de “contado”.

Não era contador, mas uma palavra quase.

Eu ficava irritada, se a função do corretor era vender a casa, não me cheirava bem ele vir com essa conversa a meu ver meio escorregadia a respeito de alguém que não estava interessado em comprar a casa.

– Mas ele é um homem importante com várias qualificações, você não quer saber quais?

Aqui devo dizer em minha defesa que minha falta de receptividade era bem justificada, pois o corretor tinha um ar meio ambíguo e ficava meio que tentando me empurrar essa coisa desse contado.

Ao invés de falar mais claramente, ficava elogiando as tais importâncias e qualificações do cara, coisa de vendedor de carro usado querendo desviar atenção.

No que eu respondo algo nesse sentido, tipo, mas e a venda da casa, o corretor me empurra uma espécie de recibo.

– Assine aqui, ele me diz casualmente. São despesas.

Olho de relance e de fato a nota parece ser uma nota de despesas de baixo valor, mas como disse, esse corretor não inspira confiança então estou no modo segurança máxima.

– Não assine, diz a Lú, que está do meu lado esquerdo.

Era eu encabeçando a venda então tudo passava por mim.

Não sei o que eu digo. Mas enquanto eu tento fazer a conversa voltar para a venda da casa, o corretor continua tentando fazer a coisa ir para a contratação do tal contado.

– Não quero esse tal contado, contador, como é mesmo o nome da função dele? Não lembro direito.

Mas o corretor, sempre meio melifluamente ao meu ver, me empurra ali sobre a cama uns papéis meio que um currículo do tal cara e volta a enfatizar:

– Mas ele é importante, um homem com altas qualificações.

Guias amados não desistam de mim mesmo eu estando muito bodeada e me sentindo com a moral abaixo de sub zero. Entendo assim: enquanto estou eu aqui firmada nessa insistência de vender minha criatividade, algo se aproxima.

Não será uma venda. Algo do nada, trazido pela mesma figura que me trouxe o Objetivo, uma experiência que mesmo com seu lado pesado, foi importantíssima na minha vida.

IMAGE CREDITS SEAN THOMAS | BELLA HADID | VOGUE NETHERLANDS NOVEMBER 2019

O CONTADO

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