O CAVALO SEM SELA E O PADRE DESOBRIGADO

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{19 de dezembro de 2013}

Termino o que estava fazendo e vou embora. Na rua, a minha espera, está meu cavalo.

Na hierarquia dos meios de transporte, um cavalo está acima de qualquer outra coisa. por que está vivo, não é uma máquina morta.

Ele interage comigo e a primeira coisa que faz é se abaixar para que eu suba em seu lombo.

Eu subo e.... já saímos.

Enquanto vamos pela rua e tento me encaixar o melhor que consigo, penso na única coisa que me confunde sobre aquela situação, que é o fato do cavalo não ter sela.

Sinto que na hierarquia dos cavalos, um cavalo sem sela está abaixo de um cavalo selado, mas ainda é um cavalo. E o que me preocupa não é a hierarquia, mas se é ou não possível conseguir montar um cavalo sem sela.

E se eu, ao invés de ter um cavalo, estaria na dúbia situação de ter um cavalo mas não poder montá-lo. Mas consigo me segurar nele e lembro que os índios norte americanos montavam sem sela e nem porisso.

Então existe esperança para mim e meu cavalo.

Me encaixei bem junto ao pescoço dele, espero que não esteja incomodando, mas se estivesse, acho que ele reagiria. Inclinada como estou, sinto que meu pé está perto do pinto dele.

Fico pensando se o cavalo pode virar meu namorado. Bem que gostaria mas sei que não.

E é isso.

E então a coisa mais enigmática. Minha mãe contratou um padre para dar sermões ali na sala do lado.

Isso é até engraçado.

Mas o padre, quando me viu, achou mais interessante ficar ali falando com alguém mais jovem e de ar rebelde, do que ir dar sermões para pessoas apagadas e cordatas.

Sentou-se na minha frente enquanto eu faço não sei o que de trabalho e fica me dizendo coisas de padre, se eu acredito em deus, etc. Na verdade o que ele está dizendo não fica claro, mas parece ser esses padres tentando engajar uma discussão religiosa. E ele é um padre católico, não crente, então essa figura não tem a ver com o Adriano.

Minha mãe tenta de todas as maneiras fazer com que ele vá para a sala do lado dar os seus sermões, para isso ele foi contratado, e há pessoas esperando.

Mas o padre não está nem aí. Como me vem uma suspeita de que esse padre represente uma parte minha, vou tentar explicar a atitude dele.

Ele meio que se vale do fato de ser padre para fazer o que bem lhe der na telha, desconsiderando compromissos e as outras pessoas.

Então, como lhe parece mais divertido ficar interagindo com uma moça que ele considera atraente, ele fica com papos religiosos como pretexto para ficar ali.

Não que ele esteja me cantando, nada assim. Está ali com papos de padre, mas está óbvio que está preferindo fazer isso ao invés de dar o sermão porque me acha atraente.

Ele ignora completamente os pedidos da minha mãe, e com aquele convencimento típico dos padres, acha que está conseguindo me envolver na sua lógica religiosa.

Então eu me irrito, nem tanto com a atitude dele comigo, mas com a que ele tem em relação a minha mãe e o encaro fundo nos olho e e digo:

– Agora vá lá fazer as suas obrigações.

Tenho em mim um lado muito forte e dominador, que poucas vezes coloco para fora, tenho dúvidas se é uma coisa boa ou má.

Mas seja lá o que for, é forte. O padre, que nem tinha se abalado com minha mãe, pára imediatamente de falar e já começa a se levantar para me obedecer.

Mas não perde o rebolado. Me olha meio entre surpreso e divertido e diz:

– Nossa, olha a cara dela de brava.

Estou mesmo com uma expressão brava, que á a que me vem quando fico desse jeito.

Mas ele vai fazer as suas obrigações.

E eu fico confusa. Era a coisa certa, mas é certo eu falar assim com os outros, nesse tom?

Isso é uma coisa má?

Por outro lado, minha mãe, que estava tentando “ do jeito certo” que o padre a respeitasse, não estava conseguindo nada.

IMAGE CREDITS STEVEN KLEIN | EDIE CAMPBELL | ALEXANDER MCQUEEN AD CAMPAIGN F/W 2014-15

O CAVALO SEM SELA E O PADRE DESOBRIGADO

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