{28 de novembro de 2010}
Evitei a tentação de chamar esse sonho pela minha interpretação.
Na hora pareceu bobinho, mas agora acordada, gosto cada vez mais, mas é claro que nisso pesa a interpretação, mas não importa, minhas interpretações costumam ser acuradas.
O mundo foi devastado por uma praga de mortos vivos e um grupo de pessoas está escapando de carro. Eu sou o motorista, alguém ligeiramente indefinido entre homem e mulher e o líder ali. Uma coisa que pensei acordada, mas que não é provável que seja tendencioso, é que nenhum dos outros ocupantes do carro é meu parente. Há um bebê, e a mãe dele. E mais uma pessoa, fora o motorista, que sou eu. Porque no início são quatro, um número confortável para passageiros num carro. Não é uma família, são pessoas meio relacionadas entre si, como amigos, conhecidos. Quando estamos para partir, uma moça se aproxima, e ... eu sou essa moça também.
Foi muito louco, muito legal e muito inédito isso, de eu ser claramente dois dos participantes do sonho. E na hora que a moça se aproxima, fico sendo mais ela do que o motorista, incorporo ela.
Essa moça é muito positiva. Ela é uma mulher muito bonita e feminina, dançarina, parece que de dança do ventre. Há algo nitidamente oriental nela, mas indiano, não japonês. Eu acho s mulheres indianas muito bonitas e gostaria de ser assim. Essa moça tem cerca de trinta, talvez trinta e cinco anos, uma pele meio azeitonada, olhos bem indianos mesmo, grandes, delineados escuros, e cabelo escuro e bonito. Está com ela uma outra figura feminina mais jovem, que parece uma irmã mais moça, e é alguém de quem ela cuida, uma garota que ainda não desabrochou como mulher. Essa moça dançarina chega para o motorista e muito firme pede carona de um tal jeito, que ele se vê sem opção a não ser aceitar. Seria desumano recusar, existe geral uma sensação de que qualquer modo de transporte deve ser aproveitado ao máximo e cabia mais gente no carro. O motorista está ciente disso, mas os outros passageiros, por uma questão de comodismo, e pelo fato da moça não ser do grupinho deles, ficam caçando uma brecha que seja para poder recusar. Mas não há como. A moça, muito esperta, intui isso, e nem bem o motorista concorda em levá-las, ela manda a garota mais nova dar a volta no carro e entrar rapidamente. A garota prontamente obedece. Seria desumanidade recusar carona, mas a firmeza e determinação dessa moça são essenciais para que elas consigam ser incluídas. Se ela fraquejasse, talvez arrumassem um motivo para não aceitá-la no carro. Os outros passageiros se incomodam, vendo que o que iria ser uma viagem cômoda vai ser no limite do suportável. A moça dançarina entra no carro pela porta oposta a que a garota entrou e os outros passageiros, mais lentos, entram em seguida. Eu, que no momento sou bem a moça dançarina, me aperto num palmo do assento, para que caiba a mãe e a criança que sentam do meu lado. Estou disposta a fazer o máximo para que a viagem seja possível e como sou a mais velha, tenho que proteger a garota que levo comigo. Da parte do motorista, que também preencho, vem na cabeça o pensamento de que não tem jeito, todos no carro talvez já estejam contaminados, vão virar zumbis e comer uns aos outros.
Bom, a interpretação que gostei é que dessa vez não vou deixar minha parte feminina de fora do salvamento, e melhor ainda, ela é que se impõe.
Só esse motorista pessimista me intriga.
Ah, lembrei de um detalhe. Na hora que a moça dançarina está falando com o motorista, e ele ouve quieto, mas claramente buscando uma forma de recusar, a moça dançarina fala: Tenho dinheiro. Você vai precisar de dinheiro para comprar gasolina.
E eu não sei nem se é verdade. Ela, que sou eu, não se importa, diria e faria o que fosse preciso para ser salva.
E tem outra coisa da minha interpretação que confirma que é a interpretação certa: esses outros passageiros seriam as outras partes de mim, minha ambição, meu intelecto, até minha criatividade, que como no sonho, na vida real me dizem o tempo todo:
– Mas porquê temos que levá-la? Não precisamos dela. Estariamos muito mais confortáveis sem ela.
Muito verdadeiro.
IMAGE CREDITS STELLA HOURS PHOTOGRAPHY