HERZEL É O DONO DO CENTRO DE ARTES

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Ó que desânimo.Mas vamos lá.

Na lanchonete da escola o rapaz que eu estou loucamente apaixonada, que trabalha ali de atendente, a coisa na verdade tem super pique de filme americano, ia escrever cafeteria ao invés de lanchonete, mas no Brasil ninguém fala cafeteria, fala lanchonete, aliás, cantina.

Mas o rapaz, rapaz mesmo, tipo uns 17 anos, está sentado numa das mesinhas redondas, numa pausa do trabalho e ficamos momentâneamente a sós, sem o grupo que geralmente me rodeia.

Ele me conta uma coisa meio engraçada mas chata que aconteceu com ele e que envolve seu cabelo. Não lembro o quê, tipo uma coisa cair no seu cabelo, algo do tipo.

O que posso dizer? É a clássica paixão que tantas e tantas vezes vivi na vida real, sem tirar nem pôr. Eu sinto como se houvesse uma grande sintonia entre a gente, mesmo que nada se configure de concreto da parte dele.

Logo em seguida chegam a namorada dele e uma outra amiga do nosso grupo, somos um grupo. Essa amiga fica de pé ao meu lado, pois só tem três cadeiras na mesinha.

O rapaz tira umas caixinhas que tem uns colares de prata e dá um deles para a namorada e a pede em casamento, os colares seriam como anéis, pois ele fica com um.

A namorada aceita.

Aquilo ocorrendo logo depois de uma conversa na qual tive certeza de que ele gostava de mim é super típico. Não chego a ficar exatamente surpresa. O que remotamente me passa pela cabeça é algo do tipo:

– Nossa, mas como pude estar tão crente de que ele gostava de mim?

Ah, tá,tem um detalhe de que quando estou sozinha com ele e o escuto contar sua história, reparo no quanto na verdade não o acho bonito.

Ele parece o Ashton Kutner muito magro.

Mas mesmo isso não impede que eu o deseje com todas as forças.

A única coisa tremendamente viva nesse sonho é a dor que sinto.

Ou melhor, o desejo e a dor.

Fico tão triste que tenho que fazer algo e a única, a única coisa que posso fazer é ir embora.

Então, para não dar na cara, olho para a garota de pé ao meu lado e digo:

– Senta aqui, você está de pé.

E antes que ela tenha tempo de dizer qualquer coisa, me levanto e saio.

Entro por uns corredores de colégio que tem o chão de granilite amarelo.

Nada estranho ocorre, os corredores não ficam escuros ou tortuosos, não mudam em nada, tudo super real

Fantasio um pouco que o cara vai vir atrás de mim mas não vai.

Tenho consciência de que é fantasia e a única possibilidade real é que tenha ficado óbvia a minha dor e a minha amiga, a namorada dele, venha atrás de mim me questionar, porisso desço correndo as escadas mais próximas para mudar de andar, para me distanciar o mais que posso daquela história.

Depois há uma espécie de casa-atelier.

Primeiro estou lá meio como hóspede, uma das três pessoas que de fato moravam na casa. Tenho em mim, como uma esponja molhada, toda a tristeza da rejeição amorosa anterior embebida.Fico olhando as coisas como que através de um véu cinza de tristeza.

Estou no meu quarto, que fica meio junto do quarto do dono da casa e do outro cara que está ali como hóspede. A única coisa que fica é reparar numas cerâmicas com vaga forma de concha que tem sobre a mesa, o lugar é muito criativo. E então por livre e espontânea vontade, vou embora.

E depois mais tarde, resolvo voltar e sinto menos tristeza.

O lance é o seguinte:essa tal casa-atelier era de um artista muito legal, mas legal de verdade, não esses fajutos que muito se vê. O nome era Herzel.

Surgiam na minha frente, como se em paralelo eu lesse uma revista ou olhasse sites, imagens de trabalhos dele, sempre em áreas variadas, por exemplo, eu via fotos de umas jóias que ele tinha desenhado, num formato geométrico, vou até desenhar para não esquecer, prateadas, meio braceletes, muito legal mesmo e outra coisa que me chamava atenção era que era um design masculino. Do fundo da minha tristeza, que mesmo que não tão à flor da pele, ainda me dominava, fico pensando se esse Herzel poderia ser uma possibilidade romântica para mim. Mas sem chance. Eu via fotos dele ali no artigo e a imagem dele era suficiente para erradicar qualquer fantasia que tentasse se instalar na minha romântica mente a respeito.

O cara tinha essas barbas da moda e se vestia como uma espécie de hippie afeminado, usando botas grudadas longas e uma bata, algo assim, curta, como um mini vestido. Credo.

Então é isso. Ah,tá.

Retomando.

Na falta de algo melhor para fazer, resolvo voltar à casa dele, ah,nem é isso. Tenho uma razão sim e bem embasada. Fiquei achando que a casa dele era um centro de artes e que o fato dele ter me convidado para ficar hospedada ali significava que eu tinha sido selecionada para participar desse centro.

Havia algo na idéia que eu fazia desse centro que era sim algo muito bacana e estimulante.T anto que eu, mesmo tendo ido embora meio por motivo nenhum, tinha reconsiderado e resolvido voltar lá.

O local se tornou mais famoso ainda, mesmo que apenas alguns mêses tivessem se passado. Me aproximo da entrada, que tem uma fila de pessoas e uma garota com prancheta, marcando reservas, como num restaurante. Mas tudo isso na calçada fora da casa.

As pessoas uma por uma diziam a ela o que iam pedir, como se fosse um restaurante e como se fosse um restaurante, pedir grandes refeições como que dava direito a melhores mesas e mais rápido. Na verdade na vida real isso não rola mas no sonho sim.

Chega minha vez, digo:

– Quero tomar um café com o Herzel.

Tudo nisso é acintosamente pretencioso na opinião de todos ali.

Para começar querer só um café. E depois com o próprio Herzel.

Tipo “se achando”. Ou pelo menos era essa a impressão que eu sabia que devia estar passando.

Aqui devo registrar que não tinha nada de exibicionista ou vaidoso na minha atitude, como tem em tantos outros sonhos.

Eu estava assumindo a relevância que de fato tinha e que tinha sido me dada pelo próprio Herzel, que anteriormente tinha me convidado para a casa dele justamente por ver valor em mim. Ninguém ali sabia quem eu era, mas eu sabia que o Herzel me considerava e não via porquê esconder isso.

A menina me olha como se eu fosse uma sem-noção. Pergunta meu nome eu digo:

– Silvia Campos.

Ela entra para cumprir sua função de dizer ao Herzel que uma Silvia Campos estava querendo tomar um café com ele, crente de que logo teria que voltar para me dispensar.

Mas ela logo retorna com um ar incrédulo e tirando aquele cordão de veludo que fica nesses lugares fechando a passagem, me diz meio sem jeito:

– O Herzel falou que vai ele mesmo passar um café para você.

Isso porquê quando ela estava já entrando para ir transmitir minha solicitação na opinião dela absurda, eu havia gritado atrás:

– Eu mesma posso fazer o café, não quero dar trabalho.

Eu estava sinceramente humilde naquilo, não estava querendo me mostrar.

Queria falar com o Herzel sobre o tal centro de artes, não queria me valer de fingir que ia ter uma enorme refeição, então falei a verdade, ia tomar só um café, mas não queria mesmo dar trabalho, eu mesma faria o café.

Mas a consideração que o Herzel tinha por mim era tão grande que ele ira parar tudo o que estava fazendo e ele mesmo queria fazer meu café.

Estão todos ali olham sem entender porquê alguém que ninguém nem sabia quer era merecia tamanha distinção e era esse o temo mais exato, distinção. Pois o Herzel não era como se fosse um amigo de infância, ele me conhecia bem pouco aliás.

Então acho que a mesma garota porteira me conduz para dentro da casa e aqui rola o que me parece a parte mais significativa do sonho todo.

Numa conversa que não ficou em frases, mas no conteúdo geral, fico sabendo que a idéia que eu fazia do tal centro de artes não estava correta. Eu comento algo com a garota que a leva a me dizer que o centro de artes do Herzel não era o que eu estava achando que fosse.

Digo a menina, mais para assimilar a mudança do que outra coisa:

– Ah...mas eu achava que o centro era outra coisa.

Não existe nenhum tom de decepção ou depreciação ou desilusão nessa descoberta.

Apenas me surpreende, levo uns instantes para assimilar e reorganizar minhas idéias, pois o que tinha me feito voltar ali e procurar o Herzel era justamente o centro de artes, que me parecia algo bem legal e empolgante, do qual eu sinceramente desejei fazer parte. E agora vinha a saber que estava mal informada e o centro não era exatamente o que eu pensava. Para ser bem precisa essa revelação até me provoca uma certa expectativa positiva. Se o centro não é o que eu pensava...então o que é?

E agora escrevendo o que me chama a atenção é como um diálogo desses se fez possível sem que fosse colocado em temos claros nem o que eu achava que o Centro fosse, nem o que ele de fato seria.

{27 de março de 2017}

IMAGE CREDITS OLIVIER ROUSTEING | BALMAIN F/W 2015

HERZEL É O DONO DO CENTRO DE ARTES

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