ELA NÃO É A MÃE DELA

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3min de leitura

{5 de março de 2017)

E mais uma vez o tema.

É uma situação meio nova,.

Ao mesmo tempo que vivo a história, ela é um filme que faço.

Os dois lados pega com o mesmo peso. Na parte em que estou vivendo, estou totalmente envolvida com o que rola. E na parte em que aquilo é algo que estou transpondo para um filme, estou igualmente envolvida e pensando no efeito das cenas.

Também tem uma certa dualidade no sentido de que eu, ao mesmo tempo que sou eu mesma, sou uma personagem genérica do filme.

A primeira cena se passa numa sala que não sei porquê ou como, já que só a sala é mostrada, tem um ar de sala de uma casa na roça.

Um narrador, que ao mesmo tempo que narra a minha vida, narra o filme, diz que a mãe dela era canibal.

O drama então dessa garota, que sou eu, é ter uma mãe que come carne humana.

Sutilmente fica colocado que a única coisa que impede a mãe de comer a filha, no caso eu, é isso de ser a mãe, e acredito que uma mãe não coma os filhos, mesmo uma mãe canibal.

Eu, ou a tal personagem genérica, vivemos em perpétuo terror mesmo assim.

Tem algo como se eu e a personagem fossemos ainda quase crianças, talvez uns 13 anos.

E então há umas espécie de pico de terror e a cena é assim.

Eu/a personagem estamos sentadas nessa mesa redonda, diante da mãe, que em momento nenhum é caracterizada como a minha mãe da vida real, e o narrador fala, exatamente como se fosse num filme, e é ao mesmo tempo vida real, ao mesmo tempo filme:

– Só que.. ela não era a mãe dela.

Nesse instante, a figura da mãe está de cabeça baixa, o rosto coberto por sombras.

É uma mulata jovem, diria uns 30 anos, de cabelos até os ombros com chapinha.

Eu, a filha, entendo tudo: aquela mulher não era a mãe verdadeira. Havia tomado o lugar da mãe verdadeira há muito tempo. Então nada, nada a impedia de comer a eu/personagem genérica.

A falsa mãe, a mulata, ergue então o rosto. Não tem nada de anormal nele a não ser seu olhar, com seus grandes olhos meio esbugalhados, com uma expressão bem digna de uma mulher canibal que se faz passar por mãe. Mesmo estando autenticamente apavorada, registro como aquela visão é perfeita para o meu filme, pois sou eu que faço o filme.

Fico mesmo com muito medo, aliás, o raro é que acordada não sinto medo. Mas no sonho fico bem apavorada e começo a chamar pela minha irmã, pois a presença dela ali não sei porquê seria a única coisa capaz de impedir a canibal de me devorar.

– Lú! Lú!

Fico berrando mesmo o nome da Lú, mas ela não vem.

Me levanto então da cadeira e corro até a porta.

Simplesmente não sei o que quer dizer.

IMAGE CREDITS THE COMPANY OF WOLVES | NEIL JORDAN

ELA NÃO É A MÃE DELA

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