A VIAGEM PARA A RÚSSIA E AS ONDAS

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{4 de junho de 2024}

Era um dia meio sombrio, não chegava a ser noite e eu e dois amigos tínhamos entrado no mar e ido e ido, naquela brincadeira e despreocupação, bem para longe da praia.

Meu amigo principal era um rapaz muito vigoroso e forte, além de confiante. Além dele tinha uma garota meio bocozinha que estava mais para o fundo ainda.

Eu já vinha há um certo tempo empenhada em voltar para a praia e me mantinha nadando naquela direção, mesmo que meus amigos, ou melhor, o meu companheiro, pois a bocozinha quase que não tinha vontade própria, não estivesse minimamente preocupado com isso mas eu achava sim que era motivo de preocupação. Vamos ficar cansados, não sabemos que hora e para onde a maré vira. Tudo pode se complicar em instantes.

Então meu amigo está dormindo na água, dormindo mesmo, de barriga para baixo e tem algo super sutil de que talvez ele estivesse até meio doente, mesmo sendo ele extremamente forte e bem mais capaz que eu, e eu o sacudo e sacudo e digo que temos que voltar para a praia já,

E então passo a fazer o que já vinha fazendo, mas de forma concentrada e focada. Antes vinha meio dividida entre estar fazendo o que eu achava certo e ficar ali com o grupo que não achava que tinha que fazer isso.

E aqui toda a story line do sonho está no que se passa dentro de mim, pois a situação prática se resume a isso de ter que nadar para a praia.

No momento em que eu decido assumir a volta para a praia, sei que vou enfrentar desafios pois até então estávamos, como se costuma dizer, no fluxo das ondas e não indo contra elas.

Até mesmo minha tentativa de conseguir que o meu amigo viesse junto, coisa que consigo por alguns momentos mas em seguida parece que ele não está tão resolvido quanto eu, bem isso mesmo, ele ainda está dividido entre ir para a praia e ficar ali se divertindo e fica para trás e eu desencano dele, queria a companhia dele principalmente por não me achar super capaz de enfrentar as ondas sozinha, e botava mais fé nele mas não tem jeito, tenho que ir com o que tenho e o que tenho é a mim mesma e então foco o mais que posso e vou indo reto na direção da praia, todas as minhas energias concentradas nisso e vem uma grande onda na minha direção e é engraçado pois apesar de eu estar nadando na direção da praia, as ondas vêm contra mim, e eu sei que mesmo sendo grandes e assustadoras, a maré vai me jogar contra elas mas se eu boiar por cima delas, deixando a parte mais alta da onda passar sobre minha cabeça, nada irá me acontecer e de fato, faço isso na primeira onda e na segunda e na terceira até que me distraio um pouco de tão tranquila que fiquei e já me vejo indo na direção de outra onda, será que o fato de ter me distraido irá me prejudicar?

Continuo indo super focada na direção da praia mas estou mais relax e até olhei em volta a paisagem um pouco.

E tem outro detalhe que vem bem nítido. Quando eu convenço inicialmente o cara a vir comigo, o que me tranquiliza um pouco, penso que a bocozinha nunca que será capaz de voltar sozinha, mas meu plano é assim que eu estivesse na orla em segurança, falar para o cara voltar e trazer ela, pois ele é forte o suficiente para fazer isso.

A bocozinha está mais para o fundo ainda e se eu voltasse para pegar ela nunca que teria forças para retornar a praia.

E ligado a isso:

Desde o início existe essa coisa da viagem.

Um sonho tão enigmático num momento desses merece atenção.

O momento: bem, filmei a primeira diária, com um custo recorde no bom sentido, gastei mega pouco, mas mesmo assim foi uma defasagem na minha conta e tenho 3 mil de coisas para pagar, entre IPTU e Paulo e nem coloquei os impostos desse ano da firma.

Não consigo ter essa loja. E ontem me achei medonha nas gravações mas meu pescoço melhorou sim.

Mas mesmo, mesmo com tudo isso fiquei bem.

Que mais? Ah, o L. não tem dinheiro para me pagar. Ainda mais essa. E a CAUUSP. E a E. querendo que eu pague não sei quanto de cabeleireiro. E o André com um possível emprego que não quero pegar. Queria que a loja desse certo e um dos pouquíssimos sonhos que tive mencionando a loja tinha coisa russa.

Eu, que parecia ser um pouco mais jovem do que sou agora, havia inventado de fazer uma viagem de estudos para...a Rússia. Tipo um curso acadêmico mesmo, que iria durar uns 4 anos. Numa faculdade.

O motivo de eu ter me metido, era bem esse o termo, me metido nisso era pura e absoluta falta de rumo na vida. Eu não tinha objetivos nem desejos próprios então tinha organizado essa viagem, coisa que havia levado quase que anos, pois era bem complicado ser aceita numa faculdade na Rússia.

Não havia nenhum sentido de grande conquista, nada disso. Mas eu vinha já há mais de anos cavando essa viagem para mim e agora que tinha conseguido… eu não queria mais.

Aqui é muito bizarro pois de vez em quando tenho a impressão de que me sinto assim em relação ao seriado, mesmo o seriado sendo algo que trabalha coisas mega boas em mim.

Mas fiquemos no sonho, pois essas interpretações sempre se revelam tontas.

Eu não queria mais. Não estava com medo. Não envolvia preocupação com gastos.

Mas havia se tornado algo que representava apenas um enorme dispêndio de energia e tempo em algo do qual eu agora só sonhava em retornar, e isso levaria 4 anos.

Estou num lugar arrumando coisas, acho que a mala, e isso envolve um canudo comprido vermelho de um material que parece um plástico brilhante e macio, e estou triste. Penso:

– Que que adianta? É meu último dia aqui. Amanhã estarei embarcando para essa viagem.

Me sinto encurralada, Não existe a menor possibilidade de desistir, mesmo que não fique colocado qual a razão prática disso, tipo, já paguei a passagem ou a mensalidade. Eu já me comprometi, apenas isso.

Então vou para o dormitório onde devo passar a última noite antes de embarcar no dia seguinte, e tem uma menina ali jovem, de cabelo negro farto e cara de russa, animadíssima com a viagem e falando de Estocolmo e eu a ignoro pois minha mãe, que estava comigo, está comigo ali naquele momento e mesmo não vendo possibilidade nenhuma, zero mesmo, de reverter a situação, eu tento pedir apoio para ela.

Sentada no chão diante da mala aberta, digo, meio chorando:

– Mãe, não sei se quero mais ir…

Eu espero que aquilo comece uma conversa com uma figura maternal que me ouviria e aconselharia, mas ela começa a falar de outras coisas, menciona a menina e se demonstra ressentida com algo que fiz e ela sim começa a ficar chorosa e aquilo me dá raiva.

– O quê, você ficou ressentida por causa dessa besteira?eu digo.

Ela responde que sim e percebo que ela é que espera ser consolada e amparada por mim e mais, ela se transformou numa menina de uns 13 anos meio frágil e franzina e percebo que é o que ela é, uma criança que precisa do meu apoio e não o contrário.

Então volto a pensar na viagem. 4 anos fora numa terra distante do qual não sei picas da língua e me conhecendo, sei que não vou aprender, pois não me interesso por línguas. Fazendo uma faculdade, um curso de sei lá o quê, pelo qual terei que minimamente me interessar, senão irá virar outro tormento, não serei aprovada nos testes e isso por 4 anos, 4 anos.

– Não poderei mais fazer o seriado, penso com tristeza.

E no que acordei queria pular de alegria. Foi só um sonho, Não estou indo para a Rússia. Até me dá um certo alívio sonhar com algo que em nada reflete minhas preocupações atuais, pois significa que não são relevantes como parecem.

IMAGE CREDITS FLACON MAGAZINE S/S 19

A VIAGEM PARA A RÚSSIA E AS ONDAS

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