{13 de abril de 2025}
Primeiro uma passagem meio bodeante. Sou uma rica filha de uma rica família, moro numa mansão meio estilo palacete e tal. Não sou totalmente eu. Seria eu, minha consciência, inserida ali nessa personalidade quase que eu.
Sou bem jovem, por volta de 20 anos e o motorista da família me leva para toda parte no Packard da família, não seria tempo atual e sim algo antes de 1950.
Estou apaixonada por ele. Ele parece fisicamente o Adriano, mas só fisicamente. É uma torre de força e auto controle. Imagino que um homem tem que ter muito auto controle para trabalhar como serviçal de ricos pois não pode dizer bobagem. E ele é muito, muito forte fisicamente.
Fico ali querendo que role e não sei direito, mas acho que rola. Mas a coisa toda me parece mais bobagem de menina do que uma história de amor. Fico pensando que o motorista deve ver em mim apenas dinheiro. Está meio deslumbrado e começou a dizer umas coisas meio melosas que quebra um pouco a imagem de caubói que eu tinha dele e me passa pela cabeça a possibilidade de que aquilo rapidamente vire uma paixão sexual inconveniente e sem futuro.
Fim dessa parte.
Aí vem algo muito, mas muito mais rico e interessante.
Sou uma moça mais jovem ainda, por volta de 17 anos, da época vitoriana, com aqueles vestidões, fora do Brasil e eu é que sou criada de uma família. Faço parte de um grande corpo de criados, pois naquela época era bem comum ter criadagem.
Trabalho praticamente 100% do tempo em que estou acordada, como costumava ser naquela época. Isso não chega a ser uma questão.
Tenho duas amigas principais. Uma delas é uma bela moça, da minha idade, e então funcionários do manicômio, acho que a mando da família, entram na casa para capturar essa moça. Digo capturar pois era procedimento animal mesmo. Eles colocam uma jaula de barras de ferro, assim do tamanho de...um pouco menos comprido que meu banheiro, acho que 1,5m de comprimento por 1m de largura, e prendem a moça lá dentro, passando uma trava de ferro na porta. De lá vão levá-la para o manicômio. Ela não está louca. Não fica colocado o que teria havido. Só sei que eu fico desesperada como se estivessem arrancando meu coração do meio do peito. Não tenho nenhuma relação erótica com essa garota, mas ela era minha fonte de beleza, de luz, de alegria. Tento várias vezes abrir o ferrolho da porta, fico tentando isso até o último instante em que a levam para fora da casa. Ninguém tenta me impedir porquê como criada, sou quase que uma fantasma ali de tão inofensiva.
Eu e minha segunda amiga vamos uma vez no manicômio visitar essa amiga, a bela.
Falamos ali com a direção do manicômio, coisas que todos sabem não ser verdade.
A direção do manicômio fala que ela será bem cuidada, eu sei que não é verdade.
Nós falamos que voltaremos sempre para vê-la, eu sei que não é verdade.
Com a rotina massiva de trabalho que eu e minha colega tinhamos, brechas como essa que estávamos tendo era uma vez na vida. Não verei mais a minha amiga. Ao sair de lá, vejo que meio flutuante no ar, meio imaginação minha, uma foto 3x4 do rosto dela. Ela tem cabelo curto e um belo rosto, que lembra o meu quando estou bonita.
– Ao que esse lugar irá reduzir essa beleza toda, eu penso com tristeza.
A partir daqui não lembro a ordem das cenas.
Acho que nesse momento é que vamos conhecer um condomínio de casas que estariam construindo talvez perto de uma praia. Não tenho certeza disso da praia. Um condomínio.
Era algo bem novo para aquela época e como estamos de folga, vamos eu, essa segunda amiga e outra amiga, todas criadas, ver esses condomínios e eu tenho uma inspiração.
– Vamos comprar uma dessas casas.
Senão nossa vida seria ser criada até morrer.
– Não temos dinheiro, diz minha amiga principal.
Isso me embatuca por um instante e então digo:
– Nós três juntas temos dinheiro para comprar uma das casas.
Cada casa custava 16 mil. Era um valor alto para a época.
Como sempre, meu plano é bem fora do padrão mas ótimo.
Minhas amigas ficam quietas, mas aceitando.
E então meio que assim.
A coisa passa a ser como um filme que acompanho e minha amiga principal, ou a outra, isso não fica claro, passa a ser a Arya do Fame of Thrones, que tinha se escondido no jardim de uma idosa da vila, pois estava sendo perseguida pelos guardas do palácio, que queriam matá-la.
Ela se escondeu mas isso não resolve, precisa sair da cidade. Então agarra um grande leque de papel da senhora idosa, um leque desses grandes.
A senhora idosa se põe a gritar:
– Meu leque, o que você vai fazer com meu leque? Meu leque, meu leque!
Fica uma cena quase cômica pois afinal de contas, era apenas um leque, não o filho da senhora.
Essa gritaria gera um pouco de suspense sobre o quê de fato a Arya ia fazer com o leque, mas ela usa o leque para cobrir metade do rosto enquanto corre pelas ruas da vila até fazer a única coisa possível ali: se atirar dentro de uma carroça de mercadorias, puxada por cavalos, que lentamente deixava a cidade. Seu irmão já tinha feito o mesmo instantes antes.
Então fica essa cena da Arya e o irmão deixando a cidade para sempre.
– E por ironia, ela era a irmã que não se dava muito bem com esse irmão, me diz uma moça má que era a responsável pela perseguição à Arya e pelo jeito seu irmão.
Haveria uma outra irmã, que acho que se dava bem com o irmão, que havia ficado nesse lugar que estava fundindo o set ali do GOT com a tal mansão vitoriana onde eu trabalhava como criada.
E então o que se configura é uma espécie de rápida dissolução do que era o meu grupo de apoio. Minha amiga bela levada para o hospício. Essa Arya, que acho que seria a tal segunda amiga, deixando a cidade fugida com o irmão.
Eu me via subitamente sozinha. Metade da minha mente avaliava aquilo tudo como um filme, pensando:
– Bom, então o filme é sobre isso, um grupo muito unido que de repente se separa e o que aconteceu com cada um deles. Tenho que fazer minha personagem se sair bem.
Sim, eu tinha nas minhas mãos o destino da minha personagem, mas…
De uma forma simbólica, o que eu sentia é que cada amiga que me havia sido tirada levara consigo uma qualidade que eu não tinha, apenas tinha por osmose, quando estava na companhia delas. A beleza e a graça da minha amiga Bela. Algo ligado a essa Arya, talvez coragem e ação.
Sem elas, eu não tinha nada disso, tinha apenas a mim mesma, e a única, única e melhor coisa que me parece viável para mim sem elas, seria… me garantir financeiramente.
A única coisa.
Então chego para uma criada ali da qual eu não era muito amiga e digo:
– Vamos comprar uma das casas do condomínio por 16 mil. Metade cada uma.
Mas essa criada é uma desmiolada inconsciente, me acha até doida por r com essa idéia, diz uma tolices, e se afasta rindo, se achando muito esperta.
Por um segundo parece que nem essa possibilidade eu tenho, mas minha mente, que nesses assuntos é sim bem dotada, logo reage.
– Vou propor aos donos de comprar a casa em parcelas. Compro sozinha.
Esse plano dará certo.
E voltando a encarar aquilo tudo como se fosse um filme, penso comigo:
– E foi assim que foi inventado o financiamento de imóveis, coisa que até então não existia.
IMAGE CREDITS MARYNA LINCHUK | WE ARE SO DOREE