A MÃO LINDA DO SALVA-VIDAS

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Sou uma mulher. Nem uma moça, nem uma menina, nem um ser meio masculinizado, sou uma mulher. Fiz alguma coisa pela qual estou sendo meio recriminada por uma figura feminina mais velha, muito minha mãe, que está na praia, de onde fica dizendo tá vendo, eu falei que não ia dar certo, ela só se mete em encrenca, e dá trabalho para os outros, etc.

Essa coisa pela qual estou sendo recriminada tem algo remotamente a ver com uma menina minha filha. Mas não se trata de nada horrível que eu tenha feito, tipo matar alguém. A sensação é a mesma que tenho em relação a vida real, na qual estou tentando abrir um novo rumo profissional, que vai contra o que minha mãe acha e estou com dívidas e apavorada com minhas perspectivas. Fui tentar fazer as coisas do meu jeito e surgiram dificuldades.

Então essa mulher se perdeu ali no mar, na beira mar, e estou (porque sou ela, não estou assistindo) meio encalhada numa enseadinha, que nem essas enseadinhas de pedras que tem nos cantos da praia, mas ali é diferente, porque é uma voltinha de praia cercada de vegetação, como se fosse um lago, e as ondas ficam me segurando ali, e, ali, nessa enseadinha, está um enorme gigantesco peixe morto, do qual vejo a carcaça aparecendo sobre a superfície.

O meu problema é que não sei mais para onde fica a praia. Não estou me afogando, aliás, quase que dá pé. Sei que não estou muito longe da praia, mas não consigo vê-la de jeito nenhum e não sei que sentido exatamente de risco tem estar ali presa naquela enseadinha, mas estou muito apavorada. No sonho é engraçado porque esse pavor não se define muito, por exemplo, tenho medo de ser arrastada para o alto mar, ou ter medo do peixe ainda estar vivo e me atacar, ou ter medo de escurecer, etc. O fato de não estar conseguindo enxergar a praia me aterroriza, porque me mostra que não estou no comando da situação, estou sendo dominada por ela. Existe algo muito angustiante em estar ali acuada com aquele cadáver de peixe, tenho medo e repulsa, como se fosse um gato morto doente e tenho medo da correnteza me arrastar até ele. O peixe parece ser um tubarão, acho que é um tubarão, mas tem o dorso de algo como uma baleia. É grande, tipo do tamanho de um caminhão. Estou ali então sem saber o que fazer, e meio em pânico por sentir cada vez mais que não tenho condições de sair dali. E ainda consigo ouvir as recriminações da mulher mais velha da praia. E então, vejo, se aproximando pela água mais adiante, um homem, que vem nadando na minha direção com óbvia intenção de me resgatar. Nem posso descrever o alívio que sinto, meu coração desparaliza.

Esse homem, apesar de pela descrição poder parecer igual ao David Gandy, por quem estou meio obcecada, de tão lindo que ele é, para ser honesta, não chega a ser ele não. O homem é bonito, jovem, tem uma barba e bigode rentes e bem desenhados, mas lembra mais um Jesus Cristo, inclusive acho que tem cabelo meio comprido assim, no ombro. Nenhum de nós diz nada, mesmo porque todas as nossas forças estão sendo usadas para tentar nos aproximar um do outro. Fica uma cena muito forte e interessante, porque vamos na direção um do outro, mas a uma distância de uns três metros mais ou menos, a correnteza nos impede de nos aproximarmos mais, e ficamos os dois fazendo o máximo possível para evitar que, de um momento para o outro sejamos arrastados um para longe do outro e o que parecia ser um salvamento iminente acabe sendo perdido para sempre. Porque isso é algo que desde o começo está na minha cabeça: essa consciência de estar no mar, sabendo que a força da água é muito superior a minha, num momento posso estar super perto da praia, mas no instante seguinte posso ser arrastada para alto mar, sem que nada possa fazer. Então é um momento muito tenso, porque os dois , e parece que ele é salva vidas profissional, tem enorme consciência dos riscos envolvidos, numa situação que aparentemente já está resolvida, porque estamos ali na enseadinha, com uma falsa impressão de ter tudo sob controle. Então eu nado o mais que posso e ele também, para tentar vencer essa distância final. Vejo o peixe morto à minha esquerda, na diagonal, e aquela impressão de algo enorme e podre, se deteriorando na água, na água onde estou, é muito perturbadora.

E então, o homem estende o braço para mim. Tem uma mão linda. Eu agarro a mão dele com todas as forças, e penso:

– Pronto. Será que posso achar que estou salva? Será que essa mão que agarro com tanta força pode ser tirada de mim ainda?

{5 de agosto de 2010}

IMAGE CREDITS ARTURO SAMANIEGO

A MÃO LINDA DO SALVA-VIDAS

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