Vejamos o melhor que consigo recapitular sem tender a interpretações.
Teve passagens super nítidas e passagens emboladas.
Acho que começa nisso de eu, minha mãe e minha irmã de pé ali nessa sala meio penumbra e minha mãe, ao pouco que me lembro, pois essa foi uma das passagens emboladas, está sendo má e impondo coisas ruins para eu e a Lú.
Quase como que numa resposta ou reação, a Lú, que está na minha diagonal esquerda, sendo que minha mãe está na diagonal direita, me estende, numa cena bem impressionante mesmo, uns papéis escritos à mão. Tem uma expressão severa, mas seria como que uma severidade em relação às coisas ruins que minha mãe estava tentando impor para a gente.
Esses papéis seriam da minha avó. São folhas soltas, como que papel de carta, mas claramente trata-se de um diário dela.
Ao ver aquilo, sabendo ser dela, sou tomada por uma onda de ternura e meus olhos já ficam cheios de lágrimas, justamente por encontrar ali a ternura e o carinho maternal que nunca vinha da minha própria mãe.
Então tem uma divisão de momentos ali, no qual num primeiro momento o que me importa é que estou entrando em contato com algo que me faz sentir protegida e amada, ao invés de agredida e ameaçada como estava até então no contato com minha mãe.
E fica bem cinematográfico mesmo isso da visão ficar turva por causa das lágrimas mas ir clareando a medida que outra coisa toma minha atenção: o que minha avó havia escrito.
Só o fato de estar com uma folha inteira, mais de uma aliás, coberta pela escrita à mão da minha avó, seria o mais próximo de um contato ao vivo com ela. Começo a ler o que ela escrever com o maior interesse. Vou reproduzir o que lembro.
“Meu Deus, tenho rezado tanto e implorado ajuda pois a Silvia chora o tempo todo.”
Guias, me ajudem a entender essa mensagem não sei se da minha Avó ou dos Divino que tenta me falar através dela, nesse momento tão importante da compra do galpão. Claramente aquilo havia sido escrito quando eu era bebê e devia chorar o tempo todo. Apesar da palavra “implorar”, não havia desespero no texto, tratava-se de uma preocupação natural de uma avó. O que me chamava a atenção era a quantidade de texto que enchia uma lauda ali de uma caligrafia estável, algo de alguém claramente com propensão natural a escrever.
Aí a coisa ira para algo que embolou mesmo mas eu discernia as palavras:
“porquê o Oriente Médio…”
Nisso eu pensava: ixi, ela está dizendo que vai ter guerra? Seria isso uma profecia?E então seguia para o que mais, mais me impressionou:
“… O Sobrevivente.”
Mas como assim? penso. Minha avó há mais de 50 anos atrás estava prevendo que eu faria O Sobrevivente? Fico ali meio tantalizada achando que só pode ser isso.Aí releio e releio e começo a enxergar “ os sobreviventes” ao invés de O Sobrevivente e penso: – Ah, deve ser os sobreviventes da Guerra no Oriente Médio, impossível minha avó profetizar o filme. Não sei porquê isso me importa tanto ou porquê não consigo achar possível que ela profetizasse. Então surge a questão da letra. Até então eu estava lendo sem o menor problema e esses trechos embolados seriam mais um embolamento de sonho do que da caligrafia. Mas no que penso no assunto a coisa muda. Primeiro penso: – Estou entendendo sem problemas.
Mas em seguida vem essa coisa maldita que já notei em mim. – Mas como posso estar entendendo sem problemas? Será isso possível? E nisso no que olho sem ler, vejo que a caligrafia da minha avó é uma coisa frenética que quase lembra um eletrocardiograma. Mas sem que isso vire um impedimento, pois percebo que eu sou sim, totalmente capaz de entender a letra dela e acho que é a Lú que fala ou falamos juntas; – Só eu, por ter essa ligação de amor com ela, sou capaz de entender essa letra, ninguém mais entenderia. E isso fecha essa passagem. Com o detalhe que minha avó tinha caligrafia de escola e uma letra linda e que tem essa letra que parece um ziguezague é minha mãe.
Mas então acho que seria na sequência que vem a passagem das Suzis. Estou num outro aposento desse local, que tem um super sutil clima de quarto dos fundos da Gassipós e tenho diante de mim uma coleção de bonecas Suzis. Cada boneca Suzi está com uma roupinha. Aqui foi nítido e embolado ao mesmo tempo. Estou mal humorada. Tenho que fazer as coisas do dia. Sem que a presença daquelas bonecas ali tome uma forma lógica, eu me irrito com aquilo aliás meio na linha do que a Cindy disse no forecast dela de que havia algo me instigando a brincar. Pois sem nenhum contexto lógico e tudo embolado mesmo, mas com a visão clara daquelas sei lá, talvez 10 Suzys na minha frente cada uma com uma roupinha eu penso: – Crianças gostam de brincar com bonecas e vestir as bonecas e produzir as bonecas. Eu não sou mais criança. Meu tempo de criança já passou. Vou voltar a brincar de bonecas agora? Eu pirei? Pois é isso que me parece, uma mulher que pirou e fica brincando de bonecas e montando figurinos de bonecas e a cada dia escolhe para as bonecas uma produção de roupa que tem a ver com o que ela, a mulher pirada, tem no dia, por exemplo, hoje eu vou num casamento ( eu tinha mesmo um casamento naquele dia) então vou vestir uma Suzi de noiva.
Fico ali muito, mas muito mal humorada e agora tenho que reler um sonho de uns dez anos atrás no qual eu me via organizando um casamento de bonecas mas enquanto adulta e me sentia do mesmo jeito, como assim fiquei louca? O que pode ser mais lelé que isso, uma adulta brincando de bonecas, além de louca? Deu tudo errado na minha vida e fiquei louca e numa regressão voltei a brincar de bonecas.
Enquanto eu penso isso, essa minha parte que está sempre organizando negócios pensa em montar um negócio de venda de roupa de boneca. O que nem seria uma má idéia a nível de negócio.
Mas o que fica nesse momento é esse choque de algo ali na minha frente meio, como a Cindy descreveu, tentador, aquela brincadeira de roupas, boneca, vestidos, e eu muito mal humorada achando que aquilo só se eu tivesse pirado. O melhor que posso explicar é assim: Sim, eu sentia vontade de me envolver com as bonecas, com as roupinhas. Talvez essa parte minha que logo transforma tudo em “negócios” tenta dar dignidade a desejos e atrações que tenho por coisas e atividades que considero infantis e erradas.
Que nem naquele outro sonho super na mesma linha em que minha mãe de rabo de cavalo dizia: vamos brincar. Meu mal humor prevalece, mesmo que parte da minha imaginação fique montando mentalmente o figurino de casamento da Suzy. Mas eu saio desse quarto e não sei se como consequência de não ter atendido ao apelo das bonecas, coisa que claramente, claramente, vejo agora, eu DEVERIA ter feito, saio para qual seria a “coisa que devo fazer” do dia.
Saio para uma arquibancada de degraus de coisa cimentada bem parecida, aliás, com a do Parque Augusta, só que menor e contida por uns muros laterais que a deixavam do tamanho de uns 5 por 5 metros. Está sol. Ao contrário de todas as cenas anteriores, que se passavam em lugares fechados com mais ou menos iluminação, esse lugar está ensolarado no limite de incomodar.
Minha mãe e mais umas pessoas, as que estão meio que me impondo ou me colocando aquilo para eu fazer estão na abertura que une esse quarto onde eu estava com essa arquibancada, que muito, mas muito mal humorada e infeliz, eu começo a subir.
Estou muito, muito infeliz. Não estou sendo, veja bem, forçada a nada, como em outros sonhos, mas estou na posição de que me coloquei como sendo “mandada”, no caso mandada por minha mãe, que havia designado, bem isso mesmo, designado aquele evento ali na arquibancada, tipo um evento familar pentelho e eu ostento minha infelicidade como uma espécie de retaliação até.
E o que fica mais marcante nessa cena é a presença daquele personagem do filme de ontem lituano sobre o bando de jovens que depredam as estátuas sagradas e o fantasma ou sei lá mata todos, o magrão que está tão chapado que ri do perigo e me irritou.
{10 de janeiro de 2024}
IMAGE CREDITS GIAMPAOLO SGURA | VOGUE PARIS DECEMBER/ JANUARY 2015