OS DESTROÇOS DELE

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A moça é jovem e parece ter um cabelo preto chanel. Está totalmente no controle da situação. O que ela decidir está decidido.

E aqui começa a complicação do sonho, pois me é mostrado, a mim, que acompanho tudo como se fosse uma expectadora incorpórea e mesmo que em determinado momento a coisa assuma ares de filme, não é um filme, é “real”, me é mostrado dois layers de consciência dentro da moça.

É complicado justamente explicar isso, me veio a palavra layers, não sei se se aplica. Ela está convencida de uma maneira até bem intencionada e autêntica de que o correto é executar o rapaz. O que quero dizer é que ela não age por maldade nem por vaidade nem por vingança nem por nada do que seria uma “razão errada”. Ela está convencida de que é o certo a fazer.

Ao mesmo tempo, num segundo layer, aquele é o homem que ela ama. Me veio essa palavra layers por que não é como se essas duas coisas, ou dois sentimentos estivesse ocorrendo exatamente juntos, como por exemplo, uma vez vi um filme não sei se era sobre Moisés, talvez fosse, um líder de um povo desse tempo que a certa altura uma mulher cometia adultério com o melhor amigo desse homem, desse líder, sendo que a pena por isso era morte por apedrejamento. E então esse homem se vê diante do dilema de não poder poupar seu melhor amigo de algo que não pouparia outro homem e acaba executando seu melhor amigo.

Nesse exemplo o homem em questão, o tal Moisés, lida com esse dilema por inteiro. Mas não era o que se passava com essa moça.

Seria como se a parte dela que acreditava e tinha chegado a conclusão de que deveria executar o rapaz não tivesse consciência dessa outra parte dela que o amava. Era como se ela não soubesse que amava aquele homem. Então a parte que estava dando andamento à execução não estava sentindo nada e quase que apenas eu, a observadora onisciente, percebia o amor que existia ali, oculto. A moça em si não percebia.

A cena é horrível.

A execução é feita de uma maneira meio padrão ali naquele mundo ou ambiente em que a moça vivia, que era jogar o condenado no tanque onde havia um enorme tubarão que o devoraria vivo. Era a execução oficial. Aliás muito vagamente parece que a moça havia acabado de executar alguém, parece ser uma figura feminina e agora deveria cuidar do rapaz.

Ela consegue se aperceber apenas de uma leve inquietação, como se aquele amor oculto dela mesma chegasse na borda da sua consciência na forma de uma leve inquietação, enquanto dá andamento à execução. O rapaz, um homem na faixa dos 30 que lembra a figura do salva vidas lindo do sonho "a mão linda do salva vidas", com um cabelo preto meio na altura do ombro e barba e bigode rente, é jogado nesse tanque e vê-se o tubarão, enorme, tipo Jaws mesmo, se aproximando.

A moça está dentro de uma cabine ali no mesmo nível da parte de baixo desse tanque. E aqui ocorre assim e é por causa disso que a cena assume ares de filme. Assim como naquele filmes antigos em que na hora que o casal ia transar a câmera começava a mostrar cenas que emulam relação sexual, sei lá, linha entrando na agulha, trem passando no túnel, etc, na hora em que o tubarão está bem perto e o ataque é iminente, a cena começa a mostrar a moça debaixo da água transando com o rapaz.

O mais louco e bizarro e contundente desse sonho é que, nem sei como explicar de forma racional, mas essa cisão e dualidade que havia dentro da moça era que fazia com que a morte e destruição do rapaz viesse a ser mostrada na forma oposta, como um ato de amor e paixão. Isso era colocado no sonho de forma clara, clara.

E é difícil de explicar pois aquela cena de sexo submarino não era uma fantasia da moça, não era como se ela estivesse imaginando isso ou mesmo vendo isso. A moça estava vendo o que acontecia de verdade, que o tubarão estava destroçando o moço, mas eu, ou nós, pois nesse momento havia um ar de filme, a nós essa cena era mostrada de forma simbólica só que ao invés de símbolos literais,como no caso dos filmes antigos com o trem entrando no túnel, o símbolo era o oposto, cena de sexo para simbolizar destruição e para simbolizar principalmente aquela dualidade da moça, que naquele momento extremo se manifestava, se não para ela, pelo menos para nós os expectadores.

Tudo isso é muito muito claro e eu sei, enquanto observo a cena do rapaz e da moça transando debaixo dágua, que o que se passa na verdade é que o tubarão está partindo o rapaz em pedaços.

E de fato, a cena de transa termina e como num filme, ”volta para a realidade”.

Vê-se então o que de fato ocorria. O rapaz estava morto, de olhos fechados, completamente mutilado de uma maneira que não fica clara apenas porquê eu desvio o olhar, não quero ver aquilo com clareza. Mas parece que sobrou apenas a cabeça e parte do tronco.

A água está com um rastro de sangue. Muito em segundo plano, fico meio surpresa do tubarão não ter comido a cabeça. Porquê não comeu a cabeça? me pergunto.

É uma visão macabra e fica pior por eu saber que a moça, sem consciência de que aquele era o homem que ela amava, deveria em seguida completar a execução retirando da água aquele destroço a que tinha ficado reduzido o rapaz, ou melhor, a que ela mesma tinha reduzido o rapaz e se livrar dele, sei lá como, mas tudo isso, tudo isso sem se dar conta de que fazia isso ao homem que ela amava.

E eu, tanto no sonho quanto agora, me identifico com ela por não saber o que um sonho brutal, brutal desses significa. 

{10 de maio de 2018}

IMAGE CREDITS ZENA HOLLOWAY

OS DESTROÇOS DELE

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