MINHA DANÇA TRANSFORMOU TUDO

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Sou aluna de dança indiana e vou me apresentar num festival. Tenho que dançar com mais duas garotas e ninguém sabe nada da coreografia. Apesar disso não estou nervosa. Estou feliz porque adoro dançar e a professora me colocou nessa coreografia porque danço bem.

–Na hora dá-se um jeito, eu penso.

Como não consigo lembrar como termina a coreografia, invento eu mesma uns passos. Depois ensino para as meninas. Acho legal a gente estar dançando uma coreografia que eu inventei. Então a única coisa ensaiada da coreografia é este final, o resto ninguém sabe nada. Mas as meninas também não estão preocupadas. Nossa única preocupação é estarmos lindas porque vamos dançar depois de um grupo de Pelotas, todo de meninas muito bonitas e muito altas. Vamos nos arrumar. Eu fico me maquiando.

Esse lugar em que vamos dançar tem um palco, onde está sendo realizado o festival e a coxia dá para uma área onde tem um restaurante ao ar livre. Estou lá com as meninas, esperando nossa hora de dançar. Um grupo de homens meio marginais muito ruins está judiando de dois mendigos velhinhos, um branco e um preto.

Estão enterrando os coitados vivos. Os mendigos são fracos demais para se defenderem. Mas eles tem senso de humor e ficam dizendo coisas irônicas entre si o tempo todo, como num filme que assisti com o Walther Matthau e um negro velhinho famoso. Os dois mendigos são também muito amigos e gostam muito um do outro. Acho aquilo revoltante mas não sei como impedir. Fico ali parada olhando, quando o líder do grupo, o mais malvadão, diz assim:

–Olha as dançarinas. Acho que a dançarina devia ajudar a gente nesse serviço.

É claro que ele viu que eu não estou gostando e quer judiar de mim também me obrigando a colaborar. Eles estão cobrindo as covas dos mendigos de cimento e querem que eu pegue uma pá e ajude.

Fico com mais raiva dele ainda, mas percebo que não posso enfrentá-lo, terei que ser esperta. Tenho uma idéia pouco lógica mas que sinto que pode dar certo. Digo: – Ok, a gente te ajuda. O malvadão fica muito surpreso. Eu digo: – Coloquem uma música. Uma música bem bonita.

Um dos bandidos vai colocar, mesmo sem saber para o quê.

Aí eu digo: – A gente ajuda, mas antes vamos dançar para vocês.

Eles não tem como dizer nada. Chamo as meninas e começamos a dançar no restaurante, em volta das pessoas que estão lá e dos bandidos. Danço, danço muito ao redor do líder do grupo, danço sorrindo. É como se eu soubesse que a minha dança tinha poder de modificar aquela situação. E por incrivel que pareça dá certo. As pessoas do restaurante ficam encantadas e os bandidos ficam confusos e vão embora. Percebo que é minha chance de ajudar os mendigos a fugir. Para minha surpresa um deles, o branco, consegui sair sozinho da cova. Ele é mais forte do que eu pensava. Corro até ele e ajudo a tirar o resto de cimento. Ele começa a falar coisas engraçadas de novo e o outro mendigo, ainda completamente enterrado na cova, começa a responder. Aquilo é engraçadíssimo, mas eu falo: –Parem com isso! Você tem que sair daqui imediatamente!

Está muito difícil puxar o segundo mendigo, o negro, de baixo de toda aquela terra e cimento. Eu amarro uma corda na mão dele e começo a puxar. Procuro alguma coisa para passar a corda em volta e ficar mais fácil. Acabo encontrando um dos bandidos. Falo rápido para não dar tempo dele pensar: –Você! Me ajude a puxar isso!

Ele me ajuda a puxar a corda e conseguimos tirar o segundo mendigo da cova. Os dois escapam, Digo para o bandido que me ajudou: –Nossa, como você é forte!

Sei que ele vai ficar contente com o elogio.

{6 de setembro de 2003}

IMAGE CREDITS MARIANO VIVANCO | VOGUE RUSSIA MAY 2016

MINHA DANÇA TRANSFORMOU TUDO

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