A CISNE

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{21 de julho de 2025}

E isso na noite do golpe do ML.

Me dirijo a um local de espetáculo. Vou participar de uma apresentação profissional de balé, dançando como prima balerina.

O balé é o Lago dos Cisnes. Não sei se a essa altura esse dado já consta.

O que consta é que… eu nunca, jamais, em momento algum, ensaiei para essa apresentação, Seria como se eu, agora, recebesse … e aliás, isso fica relevante… não era exatamente um convite para dançar como prima balerina, era uma designação, quase um recrutamento, pois não havia possibilidade de recusa, não como se eu estivesse sendo forçada, mas como se a designação partisse de figuras tão importantes que eu não estava a altura de contestar.

Mas não entendia por que raios eu teria sido escolhida para uma coisa dessas.

Estou bem preocupada, pois se trata de uma apresentação, como disse, profissa, estou indo para o ensaio do qual não sei absolutamente nada e mais que isso, não sou uma bailarina. Se a questão fosse não saber a coreografia mas ser uma bailarina capacitada, seria uma coisa. Mas eu simplesmente não tinha a menor condição técnica de dançar sabendo ou não a coreografia. Nunca tive nem sapatilha de ponta.

Fico pensando em como, como vou fazer para me virar ali no ensaio e pior, na apresentação.

Escrevendo agora é bem, bem enigmático esse sonho, e super difere da vida acordada, na qual muitas vezes me meto a fazer coisas para as quais não tenho estudo, mas tenho sim capacidade.

Grande parte do sonho se passa com eu me dirigindo a esse ensaio pensando obssessivamente e realisticamente nisso. Não estou sofrendo. Mas não consigo ver como, como isso tem chance de dar certo.

Até cruzo com a menina que era a prima balerina e que havia sido deferida em favor de mim. Ela está chateada, claro, É uma excelente bailarina. Não demonstra raiva nem ressentimento contra mim.

Eu digo a ela que não estou a vontade com aquilo, que ela é que deveria estar dançando, depois de ter ensaiado “5 mêses”. Ela se surpreende com isso no bom sentido, Provavelmente me encarava como uma concorrente.

Digo a ela que se quiser pleitear seu, na minha opinião, direito moral a dançar o balé como prima balerina, eu a apoiaria

E com tudo isso, com tudo isso, não existe a possibilidade de eu mesma recusar.

Então chego ao ensaio no qual as duas coreógrafas e preparadoras estão ali coordenando, as bailarinas do coro já estão ensaiando a parte delas e essas duas me dão atenção exclusiva.

Em parte estou gostando de ser, pela primeira vez, a prima balerina, mas também aguardo o momento em que minhas limitações vão ficar mais do que evidentes e eu serei destituída. Não tinha enganado ninguém, veja bem. Todos sabiam do meu nível. Aliás sabiam que eu não tinha comparecido aos ensaios.

Mas minha atitude é confiar na autoridade maior dessas coreógrafas. Se elas estão achando que eu tenho condições, não me cabe discutir, bem isso mesmo.

Eu vinha planejando, na hora em que ficasse ai no centro para dançar sozinha, mexer os braços bastante e tal, do meu jeito. Ué, se me selecionaram é porquê querem que eu faça do meu jeito. Então a coreógrafa mais moça me mostra o passo inicial da coreografia, que seria ficar com os braços levemente arqueados para fora ao longo do corpo, com as pontas dos dedos os mais arqueados para fora possível, simulando asas de um cisne jovem que ainda não voa.

–Que bom, penso, algo fácil de fazer.

Tenho que fazer isso e esticar uma das pernas em ponta para frente.

Faço isso e noto duas coisas, Primeiro que não consigo uma super ponta arqueada de pé, o que me surpreende, pois é uma das facilidades naturais minhas. E em segundo, que estou de meia sapatilha.

– Ah, então não é ponta, menos mau.

Então essa parte do pé perna fica bem sofrível mas procuro compensar com o lance dos braço e nisso sou boa.

Começo então a ver uma sombra de sentido na escolha da minha pessoa para a parte principal.

O que a coreógrafa queria fazer exigia muita capacidade interpretativa e nisso eu era boa.

Mas é claro que uma coreografia de Lago dos Cisnes profissional não iria se limitar a esses movimentos básicos, então fico no aguardo do momento em que iriam exigir de mim passos que eu seria totalmente incapaz de realizar.

E nisso encerra.

Escrevendo e relendo me veio um relance de entendimento.

O Universo está, esteve, vem me colocando no que se poderia chamar de posição privilegiada, por mais que eu não goste dessa forma de pensar.

Fui designada para "poder fazer o que quero". E não sinto como se tivesse capacidade no nível dessa honra. Sim, honra. Foi me dado o direito e a honra de dançar como prima balerina mas eu nem como balerina de coro sirvo. Mas assim como na vida, essa honraria não me é retirada então, de uma maneira que me escapa totalmente `a mentalidade lógica, talvez quem está me outorgando essa situação saiba mais do que eu e eu esteja completamente enganada sobre a minha pessoa.

IMAGE CREDITS MARIO TESTINO | LAETITIA CASTA | VOGUE PARIS MAY 2012

A CISNE

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