A CARTA DE AMOR NO ESCANINHO

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{21 de agosto de 2019}

O lugar parece uma versão turbinada da Gassipós, mas isso fica claro só num segundo momento.No primeiro momento estou numa sala, que tem muitas coisas, não como se estivesse atulhada ou fosse uma zona, seria como se ela fosse fartamente provida de bens. Aliás, essa é uma característica sempre em evidência durante esse sonho e algo bem inédito, pois o mais comum é eu sonhar ou que estou em ambientes caóticos, sujos, com lixo ou água, ou totalmente sem nada, despidos de tudo.

Essa sala tem uma abundância de bens úteis, ali, à minha disposição e como se verá mais adiante, o resto da casa também.

Estou ali frente ao computador, totalmente focada no meu trabalho.

Muito em primeiro plano, até mais do que eu mesma, uma figura masculina está ali comigo e fala ao telefone.

Se trata de um homem jovem, na casa de 30 anos, claramente meio boilola, mas aloirado, até bonito, dentro dos padrões gays.

Não estou dando a menor importância à presença dele ali, ele e um abajur seria o mesmo, até que escuto o que ele diz ao telefone.

Ele estaria falando, isso fica claro pela conversa, com alguém, um rapaz, que havia tirado umas fotos com esse gay, que era um importante fotógrafo.Esse rapaz, o que foi o modelo, não era profissional. O que havia acontecido, que eu tomava par meio pela conversa, meio por coisas mágicas do sonho, era que esse rapaz, o que não era modelo, havia estudado a fundo e com paixão, um determinado editorial de moda que ele gostara muito. Estudado principalmente as expressões do modelo masculino nesse editorial. Como aliás eu faço. Gosto de ficar absorvendo as expressões.

E devido a isso, quando o modelo não o profissional foi tirar as fotos com o gay,ele até meio automaticamente reproduziu essas expressões com muita precisão. Porisso o ensaio fotográfico havia ficado exepcionalmente bom, ainda mais se levando em conta o fato de que o modelo não era um pro, porisso ninguém esperava grande coisa dele.

No telefone, o gay se mostra muito contente com isso e está elogiando o rapaz de uma maneira muito autêntica, de alguém de alma artística que se empolga quando vê a arte de outra pessoa.

O gay diz algo que não lembro, mas que revela que ele, como fotógrafo experiente, tinha percebido que o modelo estava se referenciando nesse tal editorial de moda que havia visto e que o fotógrafo gay com certeza conhecia, por ser do meio e conhecer todos os editoriais importantes. O fato dele perceber daonde o modelo amador estava tirando aquelas expressões em nada diminuía a admiração que o gay demonstrava, pelo contrário, aquilo parecia contar a favor dele, pela iniciativa, pelo esforço, pelo empenho e principalmente pelo sucesso da coisa toda.

– Você deve ter absorvido muito bem, pois conseguir externar a vibe com clareza em todas as fotos! dizia o gay animado no telefone.

E isso me faz mudar totalmente de atitude em relação a ele.

Muitas vezes nos sonhos minhas reações são meio pouco louváveis, me pego tratando alguém bem por achar que a pessoa é importante, coisas do tipo. Mas dessa vez é o oposto. Não estava dando bola nenhuma para a pessoa do gay, por achar que ele não representava nenhum interesse romântico, mas no que escuto ele dizer isso, penso:

– Nossa. Mas que observação mais profunda. De alguém que conhece mecanismos energéticos, mesmo que intuitivamente.

E penso que gostaria de conversar mais com esse gay, trocar idéia, conhecê-lo melhor.

No que o sonho alcança esse ponto, não sei porquê cargas dágua tenho que levantar e ir até a cozinha.

Acho que é então que saio pela porta do quarto dos meus pais, que seria onde estava até então e a fecho com todo cuidado, pensando estranhamente que “deixei tudo em ordem”. Nem eu mesma sei o que quero dizer com isso mas sei que importa.

Vou até a cozinha, ainda pensando que quero ficar mais próxima do gay, quando percebo que ele veio atrás de mim e no que já me preparo para puxar conversa, noto que ele tem expressão de quem está passando mal.

–Preciso comer, me diz.

Pela expressão dele já entendo que deve estar com queda glicêmica.

E aqui de novo,estou numa casa muito bem provida.

A cozinha tem uma mesa que está preparada para um super café da manhã.

–Preciso comer pão, me vê um pão, por favor.

Apesar do gay dizer isso, eu ajo como se a hipo dele fosse igual a minha a resolvo que não é pão que ele tem que comer e sim proteína.

Logo ao meu lado vejo um daqueles queijos acho que camenbert.

Corto uma fatia e digo com firmeza:

–Come isso.

O gay, não sei se por educação, não discute e come.

Sem perder um segundo, procuro um queijo de minas, que também encontro à mão e começo a partir uma fatia.

Mas não me sinto bem. Me sinto masculinizada e parecida com minha mãe.

Dou o queijo para o gay, que também acata e começa a comer e então tenho calma o suficiente para pensar que talvez a hipo dele não fincione como a minha e se ele pediu pão, deve ser porquê seria o pão que resolveria.

Então pego rapidinho uma fatia de um daqueles pães italianos e estendo para ele.

Em meio a aquilo tudo tenho tempo de notar como o pão, assim como os queijos, estão frescos e limpos.

–Olha, isso é pão, digo.

O gay come mais que depressa. Acho que como um pedaço também.

E quando parece que está tudo resolvido,o gay tem um espasmo,se curva de quatro sobre o chão e vomita tudo.

O que sai é praticamente apenas líquido,ele devia estar com o estômago muito vazio mesmo.

Penso diversas coisas:

-Bem,como nos filmes.É estranho ver algo que se viu muitas vezes em filmes ocorrendo na nossa frente.Ainda mais algo pouco agradável.Sendo que dessa vez não ee só um filme.

-Será que ele teve ânsia por ter comido aquele queijo hiper gorduroso de estômago vazio?Talvez se tivesse comido o pão antes não teria vomitado.

-Que sujeira.Mas com paciência vamos limpar tudo.

-Coitado,deve estar morrendo de vergonha e achando que vou ficar brava por ele ter vomitado na casa dos meus pais(isso se configura naquele instante,não é minha casa e sim dos meus pais)mas tudo bem,é só ter paciência e limpar tudo,e é o que pretendo.

-Graças a deus meus pais não estão e vão demorar muito para voltar,prefiro fazer isso sem eles aqui fazendo rebuliço.

Como eu previa,o gay se mostra arrasado.Mas eu já estou no movimento de começar a limpar tudo e deixar tudo como estava,o que acredito que será mais eficiente em fazê-lo se sentir melhor do que qualquer coisa que possa dizer.

E mais uma vez tenho bons pensamentos sobre a casa.Em tudo há um ar extremo de limpeza e organização,então aquele vômito não transtorna tudo,é apenas algo que tem que ser limpo.

E quando vou pegar as coisas de limpeza para fazer isso,logo dou com um excelente arsenal de coisas de limpeza,esfregões,panos,desinfetantes,tudo super organizado.

Pego sei lá,um rodo,e no que vou em direção ao vômito,me deparo com um problema com o qual não contava.

O cheiro do vômito do gay me enjoa.

Eu estava dando conta de tudo,inclusive do enorme trabalho que iria ser limpar aquilo,pois espalhou pelo chão todo.

Mas não contava com a questão do cheiro.

Começo a me sentir enjoada e tenho medo de que se insistir,vou acabar vomitando,o que aí sim,arruinaria tudo,pois dobraria a sujeira e acabaria com minha intenção de mostrar ao gay que não fiquei com nojo dele,pois depois de vomitar,o que adiantaria dizer isso?

Fico pensando em como contornar isso,talvez se eu jogasse uns panos sobre o vômito,ao invés de usar apenas o rodo,abafaria o cheiro, ele não viria direto para meu nariz,e eu conseguiria me controlar.Vai emporcalhar os panos,mas dos males o menor,sempre se pode lavá-los depois.

E então entro num grande palco vazio de um auditório às escuras.

Na parte da platéia,ao invés de assentos,existe um grande jardim,ali,debaixo daquele teto,naquela escuridão.Muito lindo,um jardim desses estilo jardim de palácio,com matos cuidadosamente aparados.

Em meio a esse jardim está minha mãe.Quando eu entro,já sei de tudo que se passa.

Minha mãe havia recebido uma espécie de laudo médico pelo jeito muito ruim,e em conseqüência havia praticamente enlouquecido de desespero.Andava ali pelo jardim com o papel nas mãos balbuciando incoerências.

Apesar desse contexto trágico,a cena não tem tom de tragédia.

Eu estou ciente de que a coisa não é bem assim.

Minha mãe teria recebido algo,que nem chegava a ser um laudo médico de verdade,ao qual estava dando uma importância exagerada e equivocada.

Isso é o que acredito,e o sonho,se não diz claramente que estou certa,não diz que estou errada.

No que entro no palco,já imbuída de lidar com a questão,estou ligeiramente desgastada com o que creio ser uma descompensação da minha mãe,por outro lado tenho pena dela.E como pano de fundo daquilo tudo,consigo perceber que coisa linda e positiva é aquele belo e vivo jardim,mesmo que imerso em escuridão.E como o fato da minha mãe estar passeando em meio a isso,mesmo que em desespero,indica que sua situação dela não é ruim.

De cima do palco digo:

-Cadê esse laudo?Deixa eu ver.

Minha mãe já começa a tomar uma atitude de “tá duvidando de mim,etc”.

Aqui não sei direito se eu já havia visto esse laudo antes,de orelhada,pois a impressão que tenho é que minha mãe não sabe onde colocou,ou está insana demais para me atender,mas mesmo assim eu sei que o laudo é uma folha com uns desenhos toscos garatujados,nada com cara de laudo.Então acho que não é correto isso de que ela vagueia segurando o laudo.

Eu não consigo tirá-la daquele estado,mas como estou tranqüila de que,apesar do sofrimento real dela,não existe motivo para isso,resolvo deixar.Vai acabar voltando a realidade.

Então vou saindo pela coxia,a mesma por onde entrei,e no que estou fazendo isso,outra cena super forte.

Um pequeno menino,magro e franzino,está ali,com uma carta para minha mãe.

Um menino sem relação com nenhum da vida real.Usa umas calças de moleton de um azul forte,vibrante.

Esse menino,que parecia muito assustado,tinha escrito uma carta de amor para minha mãe.Uma carta dizendo o quanto gostava dela,etc.

Ele era extremamente tímido e assustadiço,esse menino.

Não fica claro exatamente porquê acho que não seria uma boa idéia ele ir falar com ela,como pretende,para entregar a carta.Ela está muito perturbada,acho que é isso que me decide.

Porquê digo ao menino que agora não é uma boa hora,para ele me dar a carta que entrego para ela,algo assim,e a coisa fica meio atrapalhada,acho que reconsidero,talvez pense em deixá-lo ir até ela sim,pode ser bom,mas ele,que ficou muito abalado pelo impedimento,já deixou a carta numa espécie de escaninho que tem ali no palco,na parede,e foi embora correndo,quase fugindo.

Existe algo nesse menino que praticamente grita uma mensagem que não sei qual seria.

Não sei se o menino me representa.Talvez represente meu pai?

Só sei que mesmo no sonho fico tão tomada pela imagem do menino que perco um pouco o fio da meada,porisso que a coisa embola e quando me dou conta ele já se foi,a carta ficou no escaninho,e quando eu mesma me preparo para partir dali,tenho um pensamento que me condói:

De que minha mãe jamais leria a carta.

O falso laudo médico com sua falsa sentença seria levado em consideração,mas a carta,depositária de verdadeiro amor,jamais seria lida.

 

 

 

 

 

 

 

A CARTA DE AMOR NO ESCANINHO

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