A ENTREVISTA E AS SOBRANCELHAS

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{1 de março de 2025}

Não parece bom.

De noite sempre.

Muita gente nesse grupo, muita vibe, muita vitalidade.

Vem o rapaz que organiza e me diz que eu serei entrevistada. Tem algo de distinção nisso. Aqui devo dizer que minha cabeça está em outras coisas. Mas o rapaz é autoridade e se ele falou tá falado.

– Mas não vai ficar fazendo entrevista de perguntinha, isso fica chato. Vou pensar em algo bem conciso e preciso para dizer e chego lá e digo e pronto.

– Isso fica para um segundo momento, ele responde com ar sério.

Então tá. Ele é que sabe. Prá mim essa entrevista parece algo longo e talvez cansativo para quem assiste, mas enfim…

Então todo, todo o sonho passa a ser o aguardo de ser chamada para essa entrevista. O que penso comigo é que vou dar carta branca para minha espontaineidade, para não ficar essas entrevistas que todo mundo diz as mesmas coisas.

Estou então sentada numa sala de aula no chão, encostada na parede, junto com umas talvez 40 pessoas, jovens, na maioria, que também serão entrevistadas. Entrevistadas tipo programa de entrevistas na TV, não entrevista de emprego.

– É muita gente para ser entrevistada, eu penso. Iso diminue um pouco minha distinção...

Acho que estou aliviada de não ser eu que tenho que coordenar aquilo. Estou com tensão zero.

Tem um menino de uns 10 anos comigo e eu gosto muito dele. É um menino forte e legal.

Então eu levanto e demostro que vou sair.

– Você vai aproveitar para escovar os dentes antes? ele pergunta, interessado.

– Sim, respondo.

E saio.

Fico meio triste de me apartar dele.

Aqui é caso de dizer que não era um afto romântico, ele era uma criança. Mas eu estava gostando muito mais da companhia daquele menino do que de todo aquele lance da entrevista e sua respectiva distinção.

Até no sonho isso me passa pela cabeça.

– Mas a única coisa que realmente estou achando legal aqui é ficar com esse menino e vou me afastar disso por causa da entrevista?

Mas já saí da sala.

Entro num banheiro público que está lotado de garotas que tiveram exatamente a mesma idéia que eu: se arrumar para a entrevista.

Todas as pias estão ocupadas. Começo a escovar os dentes em movimento enquanto tento localizar uma pia para cuspir. Não sei quando serei chamada para a entrevista mas nem isso é grande problema, se eu não estiver lá, o rapaz me chama novamente depois. Se a minha entrevista for a última, até melhor.

Achei uma pia e me coloco diante dela, marcando lugar. Praticamente todas as pias estão com água dentro e muito interessante, jóias e bijoux no fundo.

Todas.

Aqui o que parece que rola seria assim.

Eu tenho uma pia para cuspir mas antes que me aproprie dela mesmo, uma garota joga suas jóias dentro. Então agora não tenho mais onde cuspir.

Uma coisa embolada, mas acho que tiro as jóias da menina do fundo e cuspo.

E uma hora eu grito para não sei quem:

– ...pessoas que pegam pias que não são suas!

Ou seja, me impûs e pela primeira vez ou quase, nessa saga de escovat os dentes mas não ter onde cuspir a pasta, eu tenho sim onde cuspir.

Faço bastante bochechos. Então a cena mais forte e perturbadora.

Ergo o rosto e me olho no espelho.

Tenho o rosto de um homem. Esse homem lembra aquele Mano, marido da tia Geninha ou da tia Laide. Um homem com o rosto cheio de pelos preto, de ums 40 anos. E… minhas sobrancelhas estão longas e se afastam perpendicularmente da minha testa uns 20 cm. Um palmo de sobrancelhas.

– Mas como que o rapaz não me disse para cortar isso? penso.

Vou passar a tesoura, acho que dá. Meu cabelo é curto, um corte masculino, está cheio de gel e é duro para cima. Passo a mão para ver se consigo dar uma melhorada. Mas eu sou um homem, e pareço estar, não diria aceitando isso, mas achando que não tem mais jeito.

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