ABANDONADA NO AFEGANISTÃO

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{6 de março de 2025}

Então vejo ali meus irmãos, a Lúcia e o João, e a Lú não é a Lú e sim uma moça esbelta morena de vestido branco esvoaçante, muito bela. Ele estão brincando d e pular corda, aquela corda que duas pessoas seguram e uma pula.

Meu irmão é mais criança e fica apagado. Está de noite. Estou desarrumada, com roupa de ginástica, acho.

Digo:

– Vocês já estão prontos?

– Sim, responde a Lú, pulando corda.

Iríamos para não sei que evento importante. Meus irmãos já tinham se aprontado e usavam o tempo livre para brincar. Par variar, eu nem comecei a me aprontar.

– Fico pronta em 10 minutos, digo.

Se não melhorei nisso de me aprontar com antecedência, pelo menos melhorei muito na capacidade de, não importa em que situação esteja, ficar pronta em 10 minutos.

Então corro para dentro da casa e acho que saio em seguida, mas o que vejo é minha mãe já indo para o carro com meus irmãos e eu tenho que sair gritando atrás para me esperarem.

Então chegamos no nosso destino, que seria uma aula meio alternativa de dança no Afeganistão.

Chego com meus irmãos nessa classe bem rústica e a aula já começou. Vou até a sala contígua para trocar de roupa. Ao fundo dessa sala vejo correndo pelo chão sei lá que animal, acho que um lagarto.

Penso assim:

– Bem, é o Afeganistão. Nos filmes o Afeganistão parece mesmo um lugar que tem bichos rasteiros correndo pelo chão.

Aquilo não me incomoda muito pois logo estariamos voltando para casa, onde não tem disso.

Não fica clara a razão, eu estou mais atrasada para a aula que meus irmãos. E mesmo porquê nem os vejo mais.

Vou ali para a aula, tentando não dar muito na vista meu atraso, sento no chão, as pessoas estão todas sentadas no chão com umas roupas tipo moleton, fazendo movimentos.

Em minutos a aula está encerrada e nisso…

Até esse momento o sonho foi meio difuso, então não tem exatamente uma cena que mostra como que eu fico sabendo que minha mãe pegou meus irmãos e voltou para casa, propositadamente me deixando ali.

Propositadamente.

Nem tenho condições de ficar atingida pelo lado emocional de ter sido abandonada por minha própria mãe, como esses puppies na rua, desses vídeos do insta que não sei porquê motivo preciso ver antes de dormir, pelo fato de que fico muito, mas muito mais atingida pelo lado prático da coisa.

Fui abandonada com a roupa do corpo num país mulçumano, do qual não sei a língua. Se tivesse sido abandonada em Londres… mas não, ali era risco de vida para mulheres, ainda mais estrangeiras sem falar a língua.

Fico apavorada.

A classe está se dispersando. A partir daí o sonho ganha nitidez quase cinematográfica e me pergunto se isso tem a ver com a mensagem, pois um sonho desse calibre não vem da minha mente consciente e não pode ser aleatório

Viro para um oriental. Sim, um japonês nativo, um japonês mulçumano e digo em inglês:

– Minha mãe me abandonou aqui. Por favor, posso ir para casa com você? Eu lavo, passo, cozinho e faço massagem.

Não sei como estou ciente de que esse japonês musli mora sozinho.

Ele me olha mal encarado mas todos ali são mal encarados. Mas concorda.

Vou caminhando pelas ruas atrás dele.

Ele vai a pé para casa. Logo atravessamos uma praça estilo praça Roosevelt.

Estou muito empenhada em acompanhar o passo do japonês-musli, que é mais rápido que o meu. Ele sobre umas coisas de concreto que parece uma espécie de grade de concreto baixa, ou uma fila de pilares largos e baixos, bem afastados.

Acho que sentamos ali um pouco para ele trocar umas palavras com os amigos dele. Nesse momento passa uma voz, acho, um informativo oficial que não toma uma forma definida de como estaria sendo feito, mas que num primeiro momento diz o seguinte: que a partir de amanhã todas as pessoas teriam que se vestir unicamente da cor rosa. Só a cor rosa. De novo isso. Rosa.

ROSA 30

E em seguida anuncia que a partir de amanhã, quem estivesse na rua poderia ser abatido a tiros a qualquer momento por qualquer motivos que fosse.

Fico muito impressionada, mas o Afeganistão é assim mesmo, um regime louco e totalitário.

Fico pensando como todo mundo vai arrumar essas roupas rosa,

O rapaz se levanta e sem palavra segue para sua casa.

Logo estamos na kit dele.

Mas é um apartamento até grande, maior que minha kit, com essa cara dos apartamentos orientais.

Vou rápido atrás dele. Vejo duas baratas no chão. Meu plano é amanhã quando ele sair para o trabalho arrumar a casa toda. Vou deixar tudo tão lindo que ele vai querer que eu fique, penso.

Tem uma amiga dele na casa. Não namorada, uma amiga. Os dois conversam animadamente. Enquanto isso, eu já começo a limpar em cima de uma mesa com toalha de plástico que vejo ali. A casa é bem maior que a kit e vai car bastante trabalho, eu penso. Está bem zoneada. Preciso de uma esponja para passar sobre a toalha para tirar as gorduras e molhos.

– Onde tem uma bucha? pergunto.

Sem me dar atenção, o rapaz aponta para a janela e grita:

– Chuva!

Tanto ele e a amiga correm na direção da janela, que é uma varanda mesmo estreita e longa, com cobertura, e passando pelas vidraças abertas, se sentam em cadeiras espreguiçadeiras e ficam ali alegres tomando chuva.

Penso comigo que eles viviam debaixo de um regime tão esmagador, que a perspectiva de diversão era outra, ficar ali tomando chuva equivalia a quando faz sol e eu e outras mulheres do prédio vamos para a laje pegar sol.

Os dois estão bastante felizes ali curtindo a chuva, mesmo que esteja de noite.

Vou até ali e tento me enturmar.

O que eu escrevi até agora não expressa como de fato me sinto. Estou apavorada. Me sinto completamente vulnerável e minha sobrevivência ali depende de uma carga maciça de trabalho de faxina e de me fazer, de alguma maneira, útil.

Aí não sei em que ponto ou como entra essa sequência.O rapaz está deitado de barriga para cima no seu beliche.

Olha para mim. Eu sinto uma coisa muito, muito terna. É amor, mas não sexualizado. Vou até ele e me deito sobre ele. Acho que estava falando. Acho que antes de me deitar sobre ele digo:

– Não está cheio de mim?

– Não, responde ele me olhando ternamente.

Vou até ele e me deito sobre ele. Não fazemos nada. Ficamos ali sentindo isso.

IMAGE CREDITS GREG KADEL | CONSTANCE JABLONSKI | VOGUE GERMANY SEPTEMBER 2010

ABANDONADA NO AFEGANISTÃO

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