{18 de fevereiro de 2025}
Primeiro teve uma parte longa, nebulosa e pesada.
Não aguento mais sonhos que me mostram como se nada, absolutamente nada do que fiz até agora tivesse alguma importância, pois nos sonhos estou sempre meio que quase uma serviçal apagada, sem nada de meu na vida e vivendo às custas e à sombra de outros.
Uso uma roupa branca que leva ao lado de uma babá ou cuidadora de idosos.
Não chega a ficar definido que seja uma empregada, mas estou à serviço de uma família pequena, mãe, pai e um filho, que nada tem a ver com nada da minha vida acordada.
Tudo é escuro e denso.
Fico ali em função deles, como naquele texto A Coadjuvante.
Minha única coisa minha mesmo é ir num lugar que tem umas cadeiras e ficar sentada. Ok. Parece uma descrição deprê, altamente deprê, da minha vida e meu domingo no parque.
Mas eu estou vivendo isso, Guias?
No sonho sinto isso que tanto surgiu nos meus sonhos, de que não tenho nada. Eu havia experimentado algo ali, algo que havia ficado muito difuso, que em algum momento havia me trazido satisfação concreta. Havia sido de passagem e causado, como sempre, por algo que eu havia feito para outra pessoa, como quando fui escrever o roteiro para a Nicky e isso me mostrou algo que gostava de fazer, No sonho essa tal coisa fica quase que perdida na minha consciência, eu procuro, engraçado, procuro recapitular o que teria sido, mas a minha própria satisfação havia sido extremamente secundária na situação e quase, quase passado desapercebida e mesmo naquele momento não sabia dizer o que teria sido exatamente que havia me dado essa experiência de fazer algo muito, mas muito bom para mim e o mais próximo que conseguia pensar era ser atriz.
– Eu podia dizer à mulher que vou ficar aqui nessa cidade praiana e tentar ser atriz profissional.
Essa mulher nesse momento seria minha mãe, mas esse plano me parece tão, mas tão melancólico, vou voltar a fazer testes de atuação? Para papéis nos quais provavelmente com certeza não ia querer interpretar ? A essa altura do campeonato?
Mas em minha defesa cabe dizer que minha relutância em seguir esse plano na verdade não tinha a ver com vergonha, idade ou a questão financeira, já que eu teria que me sustentar sozinha e sim por saber que mesmo, mesmo que a tal coisa satisfatória fosse atuar, algo do qual eu não tinha, como disse, certeza, tentar ser atriz pelas vias convencionais jamais iria dar certo, pois sei como esse mercado funciona e ele nada tem a ver comigo.
Então digo a mulher que vou dar um pulinho nesse lugar das cadeiras. Essa é a satisfação ao meu alcamce. São cadeiras brancas. Ah, antes teve um longo trecho que ficou muito embolado, no qual eu descrevo ali para a família uma situação engraçada que havia ocorrido com o João… um pessoa que vai falar com o João… esse trecho me bodeou muito mas acho que foi muito frágil essa parte, minha mente não registrou. Eu relato de forma muito animada, acho que para a mãe dessa família, esse episódio engraçado que eu havia presenciado e que envolvia o João e outra pessoa e no próprio sonho tenho consciência do quanto, do quanto, do quanto minha vida se resume a dar atenção e viver em função da vida das outras pessoas.
E nisso então temos a visão depressiva da minha vida atual: babá-cuidadora de idosos, o parque e sim, o seriado.
Ó céus.
Para concluir essa sequência, vou no tal lugar, que parece um mini auditório, sento numa das cadeiras, observo as crianças que tem ali e tento usar a cadeira na sua outra função, que seria de vaso sanitário, para fazer o número 2. E isso conclue essa triste alegoria da minha vida, será?
Então estou num lugar que parece uma dimensão superior. Parece.
Seria uma cafeteria normal, mas não é na Terra.
As mesas são pretas e quadradas. Não de plástico, de madeira. Uma maderia parecida com a das portas dos reservados dos banheiros do Shopping Light, que acho lindas. São simples, velhas e belas.
Estou sentada sozinha, tem umas coisas minhas sobre a mesa e aqui começa a parte realmente impactante do sonho.
Tenho nas minhas mãos um encarte, uma pasta A4 com um comunicado desse tal lugar para mim.
Esse lugar onde estou e que de uma maneira sutil mas nítida sei não ser da dimensão humana encarnada, tinha uma complexa organização, que me incluia, não como organizadora, mas alguém que recebia orientações e decisões desse lugar.
E ali nessa pasta de capa preta de verniz brilhante com o desenho de uma dentição meio vampiresca, que ao abrir continha umas duas ou três folhas de sulfite com laudas digitadas, estava uma comunicação para mim que dizia basicamente que… devido à um extremo procedimento de alteração dentária que eu havia concluído, seria me passada uma missão.
Não chegava a detalhar a missão, mas a coisa toda tinha um tom meio sei lá. Como desses padres que são enviados para um lugar nunca muito agradável e tem que ir.
Eu não fico nem animada nem com medo.
Toda, toda a minha atenção vai de maneira aliás muito pura para um único ponto:
– Mas qual modificação dentária extrema que eu recebi? Não recebi nada assim.
Aqui tem uma sutileza. A frase do comunicado tinha isso, acho que meio assim:
“ dado ao fato de ter recebido uma modificação ou atualização dentária extrema, agora como contrapartida será lhe destinada uma missão. ”
A frase não ficou exata e não tinha a palavra contrapartida, mas tinha esse sentido, como por exemplo alguém que tivesse recebido de graça do hospital uma cirurgia para volta a andar, algo extremo, não algo superficial, e em contrapartida teria que fazer algo pelo hospital, publicidade, etc.
Novamente, minha reação não é de medo nem de animação, mas de pura confusão, pois sim, tinha feito alguns progressos no sentido da coluna, pois mesmo no sonho tenho consciência de que “ dentes ” simbolizam as vértebras da coluna vertebral, mas não recebi nenhum procedimento extremo. Até talvez se tivesse recebido, seria a parte boa.
Mas tenho que dizer que nem isso contamina minha reação, tipo, ah, nem recebi a parte boa e agora querem me cobrar contrapartidas.
Esse lugar onde me encontro é muito puro. Não tem mesquinharia humana.
Minha única motivação é o fato de que me parece, por mais inacreditável que seja, pois esse lugar é de altissíssimo nível, que houve alguma confusão de informações e a organização se equivocou.
Então me levanto e aqui rola uma cena muito engraçada.
Meu Guia Superior está sentado numa mesa perto confraternizando com seus colegas Guias Superiores.
Não fica essa coisa de Guia Espiritual, mas ele seria meu superior, nem mesmo um gerente, alguém que era meu superior direto e quase exclusivo, ele tinha mais umas três pessoas que também eram da responsabildade dele, mas não era tipo um gerente de sessão. Ele seria o Guy Pearce.
Chego lá na mesa sabendo que estou interrompendo ali um momento de descontração dele com assunto de trabalho e isso é o engraçado, pois estou quase que pedindo desculpas por dar trabalho para ele. Ele nem era bravo nem nada, mas claramente preferia passar o tempo rindo com seus amigos.
– Olha só, chegou isso para mim mas não entendi nada, pois fala de um procedimento extremo dentário que nem sei o que seria, não passei por nada disso.
Guy Pearce olha para a pasta que eu estendo claramente contrariado.
– Além disso tem mais coisas que chegaram para mim que não sei o que são, você precisa me explicar uma hora dessas.
Nesse frase quase que peço desculpas por estar amolando ele.
Um dos Guias que está sentado com ele, fala rindo:
– Ah, sim, tem uma missão, você vai ser mandada para um buraco para ver se se livram de você. Rá-rá-rá!
Todos eles riem. Não tem maldade nenhuma. São bonachões, parecem meus falecidos tios, principalmente meu tio Zezito.
Eu tinha mesmo comentado por cima algo tipo: tem um lance de uma missão aí, o que é isso?
Mas nem tinha ido a fundo pois não queria impor nada, como disse estava preocupadíssima de vir com chatices, achava que seus outros orientandos é que mereciam atenção e sabia que em algum momento o Guy Pearce viria me explicar, nem que fosse o mínimo, era atribuição dele, coisa que ele cumpria mesmo que dedicasse muito mais tempo e energia para curtir ali com os amigos. Mas mesmo assim, cabe dize, era um excelente Guia.
Vejo a cara dele olhando para aquele monte de coisa que despejei ali, parecem haver mais papéis, com óbvia expressão de “ ó não, agora terei que trabalhar "!
Gosto dele. Gosto deles.
Meus sonhos tem narrado uma espécie de bastidores da minha existência, que supera de longe qualquer coisa que a vida acordada tenha a me oferecer, e é quase que inacreditiável o quanto esse sonho de hoje dá seguimento e conclusão ao sonho
IMAGE CREDITS ANNA SHEFFIELD