OS APLAUSOS

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Faz muito tempo que não registro sonhos porque nem tenho sonhado direito, sonho melhor quando estou sozinha e durmo bastante, duas coisas que não tem acontecido muito.

Esse sonho ficou meio impreciso na minha cabeça, outra coisa rara de ocorrer, sempre lembro tudo em detalhes. Mas foi muito marcante.

Tudo levava, de forma vaga, a essa cena principal:

Estou indo, meio chaterada com o rumo das coisas, entro numa sala e lá está meu irmão, que é um garoto de uns 13 anos, vestido de budista, como se fosse uma vida anterior do meu irmão. Eu não me sinto muito bem, não me sinto bonita, nem feminina, nem gosto muito das coisas que estão acontecendo. Nada de horrível, mas nada que me alegre, também. Estou descontente. Então meio que rompo com aquilo da única forma que me era possível: viro para meu irmão e digo:

– Vamos largar tudo isso e ir na piscina?

Dentre todas as coisas, essa, mesmo não sendo nenhuma grande coisa, é a única coisa que realmente me dá algum prazer. Meu irmão mais que depressa concorda, também animado com a idéia.

E então, não lembro direito como, estamos num salão de restaurante, onde minha família está sentada numa mesa longa, como se fosse o lugar de honra de uma recepção, porque as outras mesas estão cheias de convidados, mas de uma maneira não muito clara, a minha família está em destaque ali.

Eles estão lá com alguma intenção, ou melhor, a intenção é justamente essa, de estarem em destaque ali, mas eu não estou ligando a mínima para isso.

E aqui tenho que ser honesta, Não estou numa posição de força. Não me sinto bem, me sinto frustrada comigo mesma, principalmente por causa da beleza, e essa idéia de ir na piscina, apesar de ser algo realmente muito gostoso, é uma espécie de consolação, e a única felicidade possível ao meu alcance.

E esse momento que estamos ali de pé, eu e meu irmão, junto a mesa de honra da minha família, eu não me importo a mínima com nada, apenas comunico que vou fazer isso, ou melhor, meu irmão é que comunica, eu apenas aguardo, distraída. E nos viramos e vamos juntos em direção a saída e a coisa mais surpreendente ocorre:

todo mundo nas demais mesas, que estão lotadas, começam a aplaudir com entusiasmo.

O barulho toma conta da sala como uma onda, e é uma coisa muito boa, uma energia muito forte e positiva.

Os aplausos se dirigem a minha família, mas naquele momento, se concentram em mim e no meu irmão, que estamos indo para a porta de saída de vidro da sala, que pensando bem, lembra um pouco aquele refeitório do Miss Brasil, e indo tomar os elevadores para ir para a piscina.

E aqui meus sentimentos são mais irônicos que qualquer coisa:

A intensidade e entusiasmo daquele aplausos me impressiona, sei que eu e meu irmão somos o alvo disso, mas também sei que são equivocados. Esses aplausos não tem a ver com isso que estamos fazendo de ir na piscina, o que ocorre é que minha família é vista com uma espécie de deferência e admiração que não fica claro no que estaria baseada, é meio como se fosse uma família real, ou de superstars, então tudo o que envolve essa nossa família é aplaudido. Mesmo sendo uma coisa assim, meio fútil, eu não invalido aqueles aplausos. Só não me incluo neles. É como se minha família estivesse sendo aplaudida por seus valores, valores que eles prezam, mas que não compartilho, tanto que deixo tudo de lado para ir na piscina, algo com que eles não concordam. Eu e meu irmão estamos sendo aplaudidos porque qualquer, qualquer atitude de alguém da nossa família é aplaudida, não completamente as cegas, mas porque esses tais valores conquistaram de tal forma a admiração geral, que agora qualquer coisa que se faça é aplaudida e admirada por tabela.

E aqui sinto uma coisa contraditória que vou detalhar para ver se capto o significado desse sonho tão hermético: por que eu e meu irmão estamos fazendo justo a única coisa que não seria aplaudida pela multidão, que é romper com os valores dessa família e ir na piscina. Mesmo assim, eu não desprezo aqueles aplausos. Respeito os valores da minha família, só não os quero. Respeito quem os aplaude, não me parecem um bando de idiotas deslumbrados, mesmo que estejam naquele momento meio equivocados.

Algo em mim muito tênue deseja aqueles aplausos, mas ao mesmo tempo reconhece que eles são motivados pelos valores dos quais estou abrindo mão. Nem me passa pela cabeça abrir mão dos meus valores pelos aplausos, sigo em frente meio divertida com aquilo, e apesar de tudo o que relatei, no fundo, no fundo, algo em mim sente que de uma maneira meio ilógica, mesmo renunciando ao que está sendo aplaudido, estou sim, 

sendo aplaudida pela multidão.

{30 de agosto de 2012}




OS APLAUSOS

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