É O BENJAMIN

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(18 de dezembro de 2014}

Eram dois. Ambos jovens, belos, no auge de si mesmos. A coisa entre eles haviam progredido de modo lento, mas implacável. Antes mesmo que se dessem conta, haviam, sem saber direito como, chegado a um ponto irreversível. Não podiam mais coexistir. Mal se viam, se evitavam, mas a coisa havia chegado num tal ponto, que nem mesmo isso era mais tolerável. Só poderiam viver se soubessem que o outro não estava debaixo do mesmo céu. Essa fúria, essa intensidade, esse extremo de emoção havia pego de surpresa até eles mesmos. Pode ser que pensassem que o tempo se encarregaria de amenizar as diferenças, mas foi o contrário. Desse ponto, que haviam atingido de forma quase involuntária, quase desapercebida, não havia mais retorno ou adiamento, e impunha a única solução possível: um deles tinha que morrer.

Quando a porta da arena se abre, entram ambos no meio de uma discussão que já havia desembocado num duelo formal. Estão ambos de camisas brancas, elegantes, pistolas em riste cravadas no rosto do oponente, sem a menor chance de desvio. Gritam, um para o outro:

– É você, é você.

É você que deve morrer. Essa frase agora resume suas vidas e agora, resume até a si mesma, e em pouco, pouco tempo deve desaparecer para dar lugar ao tiro, que encerraria de vez esse conflito, que já vinha de muito tempo. Ao redor, a platéia aguarda. Há uma certa piedade no ar, mas é de concordância geral que não há saída possível.

Qual a razão de tamanho ódio, não está bem claro. Na verdade nem se trata exatamente de ódio, e sim de sobrevivência. A sobrevivência de um estava vinculada a destruição do outro. Simplesmente isso. No fundo esperavam que houvesse outra saída, mas agora a situação se tornou terminal, e estão, cada um deles, dispostos a lutar por si.

E então corta. Se era isso um filme, não sei, mas a partir daí, se configura bem dessa forma, porque lindos travellings me levam pelas ruas de Buenos Aires, enquanto um narrador despeja um texto sem nenhuma outra função a não ser criar suspense sobre qual dos dois havia sobrevivido. Um se chamava Lucas, o outro Benjamin.  

Os planos das ruas são muito lindos, e vem na minha direção e me cobrem como ondas.

Finalmente vamos nos aproximando de uma grande loja de departamentos, como aquela que eu fui em Barcelona, que parece que é franquia e tem em todo lugar. Nesse momento começa a parecer muito o filme Titanic, quando a velhinha volta em sonho para o navio afundado,e ele vai recuperando sua forma original e sua antiga glória. No sonho, não há nenhum sinal de deterioração nem nas ruas nem na loja, mas cada ambiente da loja supera o anterior em suntuosidade. É uma loja muito bem estabelecida, sólida, rica.

Finalmente chega-se a seção de gerenciamento. Já está meio subentendido que o sobrevivente é de alguma forma responsável por aquela linda loja. E então, ergue-se um rapaz, de terno e fica de costas para a cam, até que a narração, se fazendo acompanhar de três acordes triunfais de música, diz:

– É o Benjamin.

Vira-se o homem, é o Benjamin. Ele está com uma pasta de papéis, em pleno exercício de suas funções, e pelo que entendi, é uma espécie de subgerente da loja. 

Esse foi o ponto que ficou mais obscuro. Porque a loja era apresentada como se fosse dele e ele era apresentado como alguém importante, que tinha conseguido fazer algo muito grande e legal de sua vida, mas no fim, no fim, quando falam seu cargo, ele não é proprietário nem Presidente, é um subgerente.

Até no sonho fico confusa com isso.

IMAGE CREDITS ALASDAIR MCLELLAN | KATE MOSS | ANOTHER MAGAZINE SPRING/SUMMER 2016

É O BENJAMIN

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